sábado, 27 de março de 2021

Chatice

Todos os anos, antes do início da Semana Santa, eu sou tomado por uma crescente ansiedade que só termina no Domingo de Páscoa, após a última missa, quando tenho certeza que tudo acabou e que não preciso mais me preocupar com formações, reuniões, antever tudo o que possa dar errado, dividir tarefas, pensar em cada detalhe das celebrações... É sempre um grande evento que demanda, além de tempo, paciência e nervos de aço pra lidar com tanto contratempos. Sendo sincero muito me surpreende que alguém tão desequilibrado quanto eu consiga lidar com isso, ou talvez eu não seja tão desequilibrado assim, apenas exagerado no perceber o mundo ao meu redor. 

Esse ano, no entanto, no lugar da ansiedade o que sinto é um tanto quanto diferente. Muito embora no ano passado a responsabilidade tenha sido ainda maior por não ter ninguém além de mim servindo nas missas, o que definitivamente foi difícil, esse ano elas serão com a participação do povo, com apenas alguns ritos omitidos devido o tempo e a necessidade de obedecer as medidas ditatoriais que o governo impõe pra controlar a pandemia. A pressão esse ano é maior, mas eu não consigo responder à altura. Quero dizer, tudo o que poderia fazer estou fazendo, as formações foram feitas, os subsídios prontos, as orientações dadas... Agora é esperar que sejam executadas. 

Talvez uma parte de mim tenha percebido que de nada adianta estudar sozinho e esperar que todos façam o mesmo, por isso o que foi de minha possibilidade eu fiz, de resto escapa as minhas capacidades. E tudo bem, se algo der errado eu vou tentar de boa com isso. 

O que mais me chama atenção é que, ao pensar nessa semana que se aproxima, além de não sentir aquela ansiedade me dizendo que tudo vai, de algum modo, dar errado, é a lente cinza com meus olhos enxergam essa possibilidade ou até mesmo a possibilidade de que tudo corra bem. Não é que esteja confiante de que tudo vá dar certo, antes disso, conheço bem todos os envolvidos pra conseguir saber que muitos ignoraram o que eu disse e que em cima da hora algumas coisas podem desandar mas, de qualquer modo, quando penso nisso, só o que sinto é um enorme vazio. 

Talvez seja aquele questionamento sobre a validade das coisas que fazemos, não no sentido espiritual da liturgia em questão mas no sentido humano mesmo, de que servem todas as nossas preocupações, todos nossos anseios se, ao fim do dia, apenas a morte nos espera numa alcova fria, onde se silenciará toda a gritaria dessa multidão confusão, dessa turba que agora me tenta a paciência e os bons modos. 

Acho que o que se passa comigo é que já não vejo sentido nenhum em nada que faço de modo que, não importando o que aconteça, eu não dou mais à mínima. Tudo é vazio e sem contorno, as convicções se esvaem como fumaça no tempo, não há o que nesse mundo possa dar valor as ações de um homem, todos somos, no fim, patéticos e dignos de pena, por nossa imensa pequenez, de pó que não deveria ter deixado de ser pó.

É isso o que vejo, um mundo que, como uma duna, se ergueu da poeira mas que pode desaparecer no próximo instante, e seria melhor se desaparecesse porque, por enquanto, nada que ele fez foi sólido o suficiente para trazer algum sentido a essa nossa existência miserável. 

Quem pensa assim de si mesmo e do mundo já não pode mais temer nada, senão que apenas espera pacientemente pelo fim que, pelo menos, findará com toda essa chatice. 

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