segunda-feira, 8 de março de 2021

Como criança

Acho que o contato do homem com a perspectiva da própria morte é algo de singular poder sobre o homem. É o momento de repensar o que se fez e, não sendo mais possível fazer planos, fazer um balanço da própria vida. Felizes, penso, aqueles que podem morrer tendo realizado aquilo que buscaram, que sentem ter alcançado o que queriam, mas me refiro especialmente aqueles que tem uma visão realista de si mesmos e do mundo que nos cerca, que tem consciência do que se pode fazer e do quanto se pode alcançar. 

Um fato que me chamou particular atenção nos últimos dias, e que comentei num texto anterior, é a perspectiva de uma doença que afetou os meus pais. Ambos são bastante difíceis de se abater, dificilmente demonstram algum tipo de fraqueza mesmo quando a situação transcende obviamente as suas capacidades. Ao contrário de mim eles não costumam demonstrar apatia e nem mesmo mesmo desespero, tampouco completa desesperança. 

No entanto, nos últimos dias, vi algo que nunca tinha visto ou sentido de verdade, o sentimento de perdê-los, uma vez por todas. 

Admito que minha relação com a morte não é algo que me apavora a ponto de nunca tocar nesse assunto, como muitos que conheço que preferem fingir que ela simplesmente não existe. Eu, por outro lado, sou até mesmo mórbido às vezes. Mas, pela primeira vez na vida adulta eu senti essa insegurança ante a perspectiva da morte dos pais, algo que certamente marca o amadurecimento de todo adulto. Eu me recordo bem da postura dos meus pais quando meus avós faleceram. Vi a tristeza no olhar, claro, mas também vi que a força que precisariam para continuar já estava ali com eles, adquirida dos muitos anos de vida e experiência. Eles não se desesperaram, antes disso, ergueram-se e seguiram em frente. Como adultos. 

Minha mãe ficou de cama alguns dias, reclamando de fortes dores e indisposição, como uma gripe bem forte. Claro que em meio a pandemia a preocupação caiu logo no vírus, muito embora eu não veja motivos pra pensar nisso, dado a convivência que tivemos com várias pessoas contagiadas desde o ano passado. A probabilidade de não ter sido infectados é baixíssima na realidade, eu mesmo fiquei em contato próximo com o padre e com pessoas da saúde que tem contato diário com os doentes. Não foi possível o isolamento total mas não fomos displicentes. 

O meu pai também sentiu as mesmas coisas, mas ele não parou quando o corpo pediu e continuou trabalhando, o que só piorou o cansaço e as tosses fortes, especialmente pela terrível mania que ele tem de andar na chuva. Agora está ali, na cama, enquanto minha mãe tenta uma consulta no hospital. 

Eu disse tudo isso, na verdade, para chegar ao episódio breve em que minha mãe revelou ter medo de que pudesse ser a doença da moda e que, se assim fosse e ela viesse a falecer eu deveria ir morar com a minha tia e tentar seguir a vida de algum modo por aquelas bandas. Foi uma conversa de fato breve e eu logo cortei o assunto. Mas, claro, isso me marcou, principalmente o fato de que, em perspectiva da própria morte ela se ocupava de pensar em mim primeiramente. Isso me deixou com um gosto bem amargo na boca, admito, e queria, por um momento, como uma criança, simplesmente resolver as coisas com o poder de uma mente imaginativa que conserta tudo com algum poder mágico. 

Percebi, bem aí, o quanto eu ainda sou imaturo. Mórbido o suficiente pra falar da minha morte, e de como minha existência sem sentido pode ser facilmente desfeita, mas e a dela? Trataria sua vida com a mesma falta de valor? Eu realmente acho que a vida de todos poderia ser tranquila sem mim, eu não sou importante, mas eu conseguiria viver sem ela? Pensar em cada uma dessas perguntas me causa arrepios, o que só marca mais profundamente em mim a constatação de minha imaturidade, da forma estúpida como eu encaro as coisas e que, na realidade, mesmo filho de pessoas fortes eu sou só um moleque chorão, deprimido demais pra conseguir ajudar ou ser realmente útil e que ainda treme, como se tivesse doe anos, ao pensar na possível e absolutamente provável morte dos pais. 

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