segunda-feira, 15 de março de 2021

Olhos de fera

Eu nunca fui uma pessoa muito otimista, desde bem novo, reclamar sempre foi um hábito, e esperar pelo pior a minha primeira reação. Acho que a melancolia já era algo quase como predeterminado para mim, talvez já estivesse destinado a ter um futuro deveras depressivo.

Hoje eu me vejo obrigado a ficar de pé, já que meus pais estão bem mais doentes do que eu, e tendo que tomar a liderança no comando da casa, por assim dizer. Enquanto eles estão assim é minha responsabilidade cuidar deles, muito embora eu não saiba até quando eu vou conseguir fazer isso. 

Sei que muitas pessoas não tem essa possibilidade, não podem ficar deitadas olhando pro teto sem nenhuma razão na existência pois todas elas precisam se preocupar com uma realidade ainda mais urgente: elas precisam comer. 

Tenho experimentado um pouco dessa realidade. Muito embora ainda esteja longe de precisar trabalhar para comer eu me vejo bem mais apertado do que de costume. A perspectiva de fazer comida, prestar atenção na alimentação dos meus pais, no dinheiro, na arrumação da casa. A responsabilidade de fato é uma coisa que amadure à força, e eu nunca duvidei do motivo para isso, mas ao que me parece chegou a minha vez. 

Não é uma perspectiva nada bonita, muito pelo contrário. Claro que eu também não sou louco ao ponto de ver isso de uma forma romântica, como tantos fazem, cantando as belezas de uma vida em que somos obrigados a levar nosso corpo e mente ao limite apenas para não morrer. Não há beleza nisso.

O que sinto é meu corpo protestar, minha mente falhar por não estar habituado a essa pressão nem essa rotina e, como disse, não sei por quanto tempo. A depressão continua a me rodear, espreitando, esperando o momento certo para me derrubar uma vez mais. Parece que ela está me ameaçando, escuto como uma voz dizendo que não devo me contentar com essa força, que logo mais estarei de volta ao lugar de onde nunca deveria ter saído. Ela me espera lá, no fundo do abismo, me olhando com suas pupilas amarelas, buscando me devorar...

Tigre, tigre, que flamejas

Nas florestas da noite.

Que mão, que olho imortal

Se atreveu a plasmar tua terrível simetria ?

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