terça-feira, 23 de março de 2021

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Sonhei com ele durante toda a noite, e acordei como se pudesse sentir ainda o seu corpo com os meus braços ao seu redor, a lembrança da sua voz, do seu sorriso e do seu toque viva em minha mente. Não preciso dizer o quanto fiquei triste ao perceber que tudo não passou disso, um sonho, um produto dos desejos mais profundos do recesso da minha consciência. 

Me recordo de termos nos encontrado em minha casa, eu envergonhado de recebê-lo num lugar tão inadequado, até em sonho eu me recuso a chamar isso de lar. Ele não pareceu se importar. Durante o que pareceu um dia inteiro ficamos juntos, conversamos, brincamos e, ao cair da noite eu finalmente tive coragem de dar o primeiro passo, que ele também estava esperando. A alegria que senti ao perceber que era correspondido me fez vibrar em júbilo. Quando ele segurou a minha mão pela primeira vez eu sorri de forma tão genuína que eu nem me lembrava mais como era um sorriso assim, tão verdadeiro. 

Acordei com esse sorriso ainda estampado, apenas para acostumar meus olhos a escuridão do meu quarto e o vento que barulhava ao entrar na janela e que, tocando meu rosto, me fez perceber que na verdade tudo não passou de um sonho. Quando essa constatação se deu eu senti o frio com ainda mais intensidade, meu corpo se encolheu e eu fechei os olhos, torcendo para voltar a sonhar novamente com ele ao adormecer, num desejo de que ao menos ali, naquele mundo onírico, eu pudesse ser feliz ao lado dele. 

Agora, desperto, eu me pergunto acerca das razões, das raízes por trás desse sonho. Seria um sinal genuíno do sentimento que eu sinto por ele e que, ao meu ver, trata-se de algo verdadeiro, ainda em gérmen, mas que se mostra de um delicado desejo de companheirismo. Ou seria apenas um outro sinal da minha carência habitual e contida, se revelando em sonho após um breve momento de atenção recebida e manipulada pela minha mente distorcida? 

Acredito que seja uma tensão entre ambas as opções. Por um lado a minha carência é sempre responsável por criar ilusões que se desfazem como poeira entre meus dedos, seja ao acordar literal ou figurativamente. De outro modo o que sinto, ainda que fruto dessa carência, é também verdadeiro sob certos aspectos. O encantamento, o carinho que eu tenho por ele ainda tem um caráter genuíno aqui dentro. 

Penso agora na marca que esse sonho deixou em mim. Na forte impressão que ele deixou em mim, tão forte e profunda que eu gostaria de tê-la registrado no momento mesmo em que acordei, mas o desejo de voltar a dormir acabou me dominando e boa parte daquela impressão acabou se perdendo por entre as nuvens do meu sono, como o rastro de luz deixado por um cometa, como as pétalas de uma rosa que se desfez no vento mas que ainda guardo na memória a beleza da flor. Algo sobreviveu, de modo quase perene, e mesmo que eu não consiga mais dizer com precisão tudo o que sinto ainda consigo sentir, lá no fundo e, ao menos eternizar aqui, que algo dele se marcou em mim e provavelmente nunca mais se desfará, marcando-se nas paredes da minha história, escrito com letras imortais nas páginas do meu coração. 

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