sábado, 31 de agosto de 2024

Mistério

"Privamo-nos para mantermos a nossa integridade, poupamos a nossa saúde, a nossa capacidade de gozar a vida, as nossas emoções, guardamo-nos para alguma coisa sem sequer saber o que essa coisa é. E este hábito de reprimir constantemente as nossas pulsões naturais é que faz de nós seres tão refinados. Porque é que não nos embriagamos? Porque a vergonha e os transtornos das dores de cabeça fazem nascer um desprazer mais importante que o prazer da embriaguez. Porque é que não nos apaixonamos todos os meses de novo? Porque, por altura de cada separação, uma parte dos nossos corações fica desfeita. Assim, esforçamo-nos mais por evitar o sofrimento do que na busca do prazer." (Sigmund Freud)

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Para onde será que ele vai? Aliás, para onde vão todos os rapazes bonitos que me chamam atenção nos dias que sucedem indefinidamente? Cada um com sua história, seu lugar, seu ideal de paraíso, seu cansaço a pesar as pálpebras de manhã ou no início da noite... Haverá uma espécie de recanto divino onde eles se encontram todos ou isso é um delírio de uma sexta cansada e preguiçosa? 

Para onde vai esse moço de boné azul virado para trás, com tatuagens pretas no braço até o cotovelo e um cabelo que ele talvez não devesse ter descolorido, pois o deixou com um aspecto tão pálido que me pergunto se ele não está anêmico, o que explicaria ele ter dormido instantes depois de se sentar no ônibus, pouco a frente de mim e se assustar levemente de vez em quando, imagino que com os solavancos do veículo ou com a música do fone de ouvido. Sua palidez anêmica, no entanto não diminuiu sua beleza, mas eu nada consigo abstrair de sua aparência. Não sei que personalidade pode ter, que tipo de música está ouvindo, ou um podcast sobre as eleições no estado de São Paulo. Ele está voltando para casa depois de um curso profissionalizante ou de um estágio? Ou será que já tem idade o bastante para trabalhar o dia todo como eu? 

É um mistério. Assim como o pequeno sinal na testa perto da sobrancelha ou se o outro menino na frente dele vai cortar a franja na próxima semana. E a paisagem continua mudando pelas janelas. Meus olhos doem de tanto terem sido fixados na tela do computador o dia todo, noto luzes ainda acesas em alguns prédios do centro, uma solitária luz amarela no topo de um edifício comercial. Alguém fazendo hora extra numa sexta-feira ainda mais triste, entediante e preguiçosa que a minha. 

Um mistério. 

E eu nem mesmo sei o nome dele.

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Falei brevemente com uma velha amiga ontem, o "velha" contendo certa dose de ironia pelo teor da conversa bem como do nosso próprio questionamento em estarmos velhos demais. Ela se encontra em situação análoga a minha, desencantada, medicada e profundamente sem esperança em si mesma e nos outros. As dores, os rompimentos constantes, as desilusões profundas, o contato com os homens em constante processo de destruição e autodestruição. Essa vida ferra com todos, é algo impressionante. Retomo a fala de Freud acima: já não buscamos mais prazer, somente fugir da dor. Queria me perder em alguns devaneios aqui, no sentido de existência e dor, mas acho que já falei demais sobre isso, e muitos outros antes de mim e atualmente também. Não há necessidade de falar mais, basta olhar ao redor. Basta fechar os olhos. Basta cumprimentar alguém na rua ou tentar conhecer alguém. É doloroso demais. 

sexta-feira, 30 de agosto de 2024

Impensável

Sempre o via um pouco mais sério, não por conta de sua personalidade que, aquela hora, julgava ainda adormecida nas manhãs ensolaradas e nos dias mais frescos, quando já não o encontrava mais com a mesma frequência dos meses anteriores. 

Me recordo de ter notado, para além da beleza simples e delicada, certa doença de pele que lhe dava um aspecto frágil, tão cheio de espinhas que aquela área esbranquiçada de seu rosto, encimada por pequeninas bolas vermelhas, fosse explodir em sangue e pus a qualquer momento. Mas pude acompanhar durante os meses algum tratamento funcionar. Percebi pelo aspecto brilhante de quem devia estar usando o protetor solar de alto fator, típico dos tratamentos dermocosméticos e até medicamentosos, que em algumas semanas, começou a uniformizar o tom e diminuir a violência das fissuras. Agora ele tem uma bochecha levemente mais clara que o restante da pele e um rosto iluminado, tratamento em curso. 

A visão de hoje foi breve, apenas o tempo em que os trabalhadores cansados faziam a baldeação no terminal do Centro em direção a zona leste da cidade. Mas eu até mesmo fechei o exemplar de "No Caminho de Swann" que trazia nas mãos e que vinha me fazendo companhia ultimamente. Isso porque, enquanto Proust descrevia os arroubos ciumentos do seu personagem em meio a longas cenas de paragens e paisagens quase idílicas, eu é que me vi diante de um sorriso tão belo, genuíno e brilhante que apenas um grande escritor poderia registrar. Quisera eu poder tirar uma foto, dele sorrindo enquanto balançava os braços dados pelas mãos com uma garota, cujo rosto e presença ignorei, mas não pude, apenas esperei que o ronco alto do motor fosse pouco a pouco fazendo com que ele sumisse, passando pelas janelas como se eu corresse por uma galeria de fotografias. Ele ficou a sorrir e agitar os braços, eu reabri meu livro.

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Me deixei encantar por aquelas imagens, do homem grande, de personalidade parecida com a de um cachorro brincalhão, sempre sorridente e contente a correr ao redor de quem ama. O outro, ainda inseguro, mas percebendo os sinais que não podiam ser ignorados: o coração batendo forte quando o via, a saudades quando não o via, a confiança crescente e o medo que esse sentimento provocava por conta das lembranças. No passado, seu parceiro queria que ele mudasse para se adaptar aos outros. 

Há aqui boa dose de complexidade. É certo que, num relacionamento, o caminho do meio é aquele que se torna mais justo para ambos, mas a mudança deve partir do coração daquele que sente que precisa mudar e não pode ser imposta, ainda mais ao custo da humilhação constante ou da invalidação. Não consigo deixar de pensar também no outro lado e no egoismo que há em se recusar completamente a enxergar o mundo dos outros. 

Mas ele soube romper essa barreira e fazer com que o outro, enxergando que havia se fechado de tal modo que não via o quanto do mundo estava perdendo. Ao seu modo o carinho do outro o abriu, ao seu modo ele foi se permitindo, conhecer novos lugares, fazer novas coisas. 

E então, quem o diria, ele aceitaria se aconchegar ao outro daquele modo? Meses atrás aquilo era impensável, ele não queria se aproximar de ninguém, só queria ficar sozinho. Mas ele aos poucos foi abrindo seu coração, com carinho, compreensão, sem o desejo de moldá-lo ao seu modo, mas se preocupando em deixa-lo sempre confortável... Assim, o tempo se encarregou de fazer a ternura a chave daquele coração que, agora, se expressa, mostra sua fragilidade mas também seu cuidado. Ele, embora antes não demonstrasse, também era capaz de amar e de se sentir confortável nos braços daquele homem do quarto ao lado. 

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"A maioria das pessoas estão mortas e não sabem, ou estão vivas com charlatanismo. E o amor, em vez de dar, exige. E quem gosta de nós quer que sejamos alguma coisa de que eles precisam. Mentir dá remorso. E não mentir é um dom que o mundo não merece." (Clarice Lispector)

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Fontes

"A gente não conhece a própria desgraça, e nunca se é tão feliz quanto se pensa." (Marcel Proust)

Gosto da beleza silenciosa de dias assim, nublados, sem muito barulho, podendo sentir o perfume de um chá ou fechar os olhos ouvindo uma música que gosto. Acabei de ouvir, por exemplo, Who Am I do Bright, Win, Nani e Dew e, uma das faixas que tem estado entre minhas favoritas, Louder, do meu pequeno Keen Suvijak e, além disso, a doce voz do Nunew em True Love, uma das mais lindas da carreira dele, com aquela aura de romance histórico, ingênuo, verdadeiro, tranquilo...

Como uma pequena flor que encanta pela delicadeza de suas pétalas e de seu cheiro, me atraio por essas coisas singelas, esses símbolos. Como também uma cristalina fonte, aquela vívida imagem do Cântico dos Cânticos, tão cara e que produziu tantas letras belíssimas pelas mãos dos carmelitas, sobre a beleza do amor em suas diversas formas, sobre como só podemos encontrar esse amor verdadeiro na união íntima, naquela relação que não mais é possível diferenciar um do outro. 

Como é belo isso!

Mas então olho pela janela e penso no frio que faz lá fora, e no quão gelada deveria ser a fonte real. É esse o problema do amor: na poesia é muito belo, na vida real ele não acontece, corações não se tocam. Não adianta dizer o quanto se ama se, no fim do dia, o coração não bate mais rápido. Talvez seja idealismo meu, admito, mas meu coração precisa se inflamar, meu coração precisa sentir algo e... Bem, eu sinto que hoje, não sou amado. 

Nada se inflama. 

Nada se ama. 

Nada se ama?

Mas o que é isso que sinto? 

Esse vazio, 
não seria então vazio de amor, 
o próprio amor, 
a ânsia de amar, 
o desejo de ser amado?

O que é esse vazio?

Sinto como se essas flores, delicadas e perfumadas, tivessem tornado-se venenosas depois de tanto conviverem comigo. Agora seu veneno se volta contra mim. A fonte cristalina não verte mais água fresca, verte a minha própria morte a escorrer lentamente. 

Sinto como se houvesse linhas invisíveis passando por nós. 180° de longitude. Uma barreira que não queremos ultrapassar. Bem, infelizmente as coisas são assim. Ou talvez seja só coisa da minha cabeça. Não sou tão importante assim a ponto de ser um problema desses pra alguém. No fundo acho que ninguém é tão importante assim. Estamos todos ocupados. Relatórios, prazos, boletos... Estamos ocupados demais pra amar. No fim, a fonte cristalina do amor é apenas água fria, gelada. 

"Sentia muito próximo de seu coração aquele Maomé II, cujo retrato por Bellini tanto apreciava e que, sentindo que se apaixonara loucamente por uma se suas mulheres, apunhalou-a, a fim, diz ingenuamente o seu biógrafo, de recuperar a sua liberdade de espírito." (Marcel Proust)

terça-feira, 27 de agosto de 2024

Tipos de Pessoas

"Que critério adotar para julgar os homens? No fundo não havia uma só dessas pessoas conhecidas suas que não pudesse ser capaz de uma infâmia." (Marcel Proust)

Ainda tenho mais um dia de folga, mas é como se já pudesse sentir esse dia se esvaindo por entre meus dedos, já prevendo tudo que caíra sobre mim quando retornar. É como se esperassem que eu fosse feliz em dois dias da semana e no resto, como se minha alma tivesse sido vendida para o diabo sem minha permissão, e então sou obrigado a viver cada semana, e depois outra, e outra, e outra, numa tortura infernal, sem fim, preso num ciclo onde sempre há mais e mais que fazer, meu único pagamento é sempre mais o que fazer, mais o que argumentar, mais o que suportar em silêncio, a espera de um crescimento, de um progresso que nunca chega, nunca vem. Esses poucos dias de folga são apenas isso, uma breve pausa do inferno que são todos os dias. 

Não suporto os sorrisos, as falsidades, a obrigação de precisar ser simpático e parecer feliz com essas pessoas como se cada uma delas fosse importante por serem donas dessa ou daquela empresa. Eu desprezo essas pessoas, tenho um nojo real e genuíno por cada uma delas, por cada uma que espera que a vida seja sempre uma recepção regada a vinho e champanhe, com todos ao redor os servindo. E são todos assim, do funcionário ao visitante milionário tosco que é incapaz de entender o texto de uma criança mas que se acha o auge da realização humana por ter dinheiro, um dinheiro que ele conseguiu por não pagar as pessoas direito e por conseguir explorar várias brechas nas leis a ponto de ter algum lucro real. E são a essas pessoas que devemos respeito?

Não respeito ninguém que acha que, por ter mais dinheiro ou por estar comprando, se acha no direito de tratar o outro de qualquer jeito. São desprezíveis, e tenho um nojo real genuíno por essa gente. Não passam de pó, vidas que logo cessarão, e creem firmemente que o dinheiro deles vale de alguma coisa. 

Por isso prefiro dormir na minha folga, não pensar nessas pessoas, nesses lixos. Não pensar em como são desprezíveis e em como todos ao redor fazem o possível para tratar essa gente bem. Mas não passam de criaturas insignificantes, como eu, todos eles. 

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Ia escrever num outro texto, tentando fugir da carga negativa que esse acabou criando. Em verdade eu realmente precisava colocar esse sentimento ruim para fora, já que amanhã precisarei voltar lá. Hoje estou descansando, e ignorando as mais de quinze mensagens que já recebi do trabalho. Enfim, assisti aos últimos episódios de Cosmetic Playlover que me deixaram inspirados, com o coração quentinho em meio aos 5° que têm feito esses dias por aqui. 

A atmosfera agradável, o companheirismo capaz de transmutar as ações: o apoio ao inseguro, a cumplicidade, a construção conjunta de uma vida lado a lado. Até mesmo a ambientação, os cenários calorosos em meio ao frio do outono japonês, os sorrisos de encorajamento. Enfim, o sonho do alguém que te acompanha, que fica ao seu lado, que se orgulha de suas vitórias, mesmo que sejam as mínimas. Percebe a diferença entre essas pessoas e aquelas que desprezo, sobre as quais me referi no conjunto passado?

Tentei, por breves instantes, assumir uma posição diferente, algo distante, sem me importar com o que sentem, sem buscar a ninguém. Cantei na missa de domingo de frente ao garoto que achava bonito e que me encantou por meses. Ainda continua bonito, mas estava ao lado da namorada, e eu não dei a mínima. Assim como sei, apesar dos dizeres de amor, a distância entre nós é mais do que apenas geográfica, também desisti de mudar isso. Apenas aceito, mas não sou indiferente: todo esse amor continua aqui, eu só não tenho mais a disposição para me declarar e me derramar como antes. 

Aliás, não tenho mais disposição para nada. Já é início de tarde. Minha folga está no fim. Engraçado como é normal trabalhar por semanas, mas folgar apenas por breves períodos de tempo. A vida é uma droga. Amanhã começa tudo de novo. 

Queria pintar as paredes, ou comprar uma máquina de café.

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"Há alguma coisa em mim que não consigo controlar. Nunca dirijo meu carro por cima de uma ponte sem pensar em suicídio. 
Quero dizer, não fico pensando nisso. 
Mas passa pela minha cabeça: 
SUICÍDIO.
Como uma luz que pisca. 
No escuro. 
Alguma coisa que faz você continuar. 
Saca? 

De outra forma, seria apenas loucura. 
E não é engraçado, colega.
E cada vez que escrevo um bom poema, é mais uma muleta que me faz seguir em frente. 

Não sei quanto às outras pessoas, mas quando me abaixo para colocar os sapatos de manhã, penso, Deus Todo-Poderoso, o que mais agora?

A vida me fode, não nos damos bem. Tenho que comê-la pelas beiradas, não tudo de uma vez só. É como engolir baldes de merda.

Não me surpreende que os hospícios e as cadeias estejam cheios e que as ruas estejam cheias. 

Gosto de olhar os meus gatos. 
Eles me acalmam. 
Eles me fazem sentir bem. 

Mas não me coloque em uma sala 
cheia de humanos. 
Nunca faça isso comigo. 
Especialmente numa festa. 
Não faça isso."

(Charles Bukowski)

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Do início ao fim de uma semana caótica


É noite derradeira
Vou passar a vida inteira
Esperando por você

(Torquato Neto)

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Estou caindo de sono, me disseram que pareço estar estressado, mas é, na verdade, cansaço acumulado, e não mau-humor gratuito. Ainda tenho um longo dia pela frente, em que vou precisar apresentar o projeto de uma nova exposição, até que consiga voltar para casa e, quem o sabe, relaxar tomando alguma coisa quente e vendo o novo episódio de I Saw You In My Dream. É só o que eu preciso, sinceramente. Mas de repente me pediram para detalhar as obras da exposição, então precisei do acesso ao acervo, depois precisei ajudar um curador a terminar a montagem de outra exposição, e aí fui ajudar minhas colegas a fazer a expografia da nossa própria exposição, daí quando voltei para minha sala a assessoria de imprensa tinha me solicitado várias informações, enviei, e então lembrei que meu chefe tinha pedido também outras informações, e quando fui enviar também chegaram vários visitantes e eu, já sem entender muita coisa, fui de cara feia atender, o que certamente vai ser interpretado como grosseria, claro, sem levar em consideração tudo que eu tinha passado até então.

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Foi com muito custo que cheguei em casa ontem, a mente em parafuso atormentada com tantos pensamentos, com a quantidade de informações que fui obrigado a processar. Claro que, mesmo com remédios, quando pude finalmente deitar e me concentrar no escuro aconchegante, na música familiar que tornava o ambiente o mais confortável possível, ainda assim demorei conseguir silenciar minha mente para mergulhar no sono profundo. Adormeci ao som de uma combinação de algumas faixas aleatórias, entre elas Keen Suvijak, Cigarretes After Sex e Jeff Satur que, aparecendo mais de uma vez, me surpreendeu quando acordei algumas horas depois ainda a tempo de ouvir o início de Why Don't You Stay, e mesmo ainda meio adormecido meus lábios se moviam lentamente, impossível que meu espírito fique indiferente a essa obra. Sempre um deleite para a alma. 

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Ontem precisei buscar ainda mais forças para conseguir terminar o dia. Além das demandas do trabalho, com as pessoas me cobrando coisas em cima porque parece que ninguém consegue se preparar com mais antecedência. Ainda tinha um ensaio para ir à noite e, só então eu pude voltar para casa e assistir um episódio de Monster Next Door, que tem sido um dos poucos momentos confortáveis na minha semana, até que finalmente pudesse esquecer de tudo e me concentrar apenas naquilo. Concentrar num pouco de algo melhor do que essa realidade.

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Foi uma semana difícil. 

Levado ao extremo do cansaço. 

Exausto. 

Na sexta eu já estava me mantendo de pé com energéticos e aquelas capsulas de cafeína e taurina, sem contar doses altas de café. Ainda assim, no meio da tarde de sábado, vendo aquelas pessoas todas ao meu redor e sabendo que ainda tinha várias horas pela frente, eu encostei a cabeça na porta do acervo, e ali de pé eu dormi por instantes, o corpo já não respondendo, a mente já não respondendo. Sempre sou levado ao limite assim. No outro extremo da cidade, os meninos bonitos se reuniram para jogar durante um dia inteiro. Deve ter sido divertido, imagino. Para eles, é claro. Eu preciso cantar na missa hoje a noite, mas nem me lembro das músicas e, pelo estado do meu sistema respiratório, não terei muita força para isso não. 

A pior parte foi ficar longe de você, sabia? Sem poder te dar atenção, distante demais para cuidar de você quando ficou doente. Eu só queria poder largar tudo num dia desse e cuidar de você. Não lidamos bem as saudades. Percebeu isso também? Eu sentia sua falta, mas estava cansado demais para qualquer coisa. Mas, pensar em você, brevemente, ainda me fazia feliz. Porque no meio desse caos, você ainda é parte mais bela da minha vida. Você é a única parte da minha vida que ainda amo. 

Depois do cansaço, meu corpo só queria o sono 

profundo. 

Meu coração só queria poder, 

num abraço, 

ouvir o seu junto ao meu. 

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Ainda em temas relacionados, para finalizar esse texto escrito em pequenos trechos por vários dias, reflexo desse cansaço que não me permite aprofundar mais... Nietzsche foi muito prejudicado em sua escrita pelas dores intensas de sua sífilis. Meu cansaço, meus dias cheios, o volume esmagador de mensagens, a incompreensão, essas são a minha sífilis, minha doença até a morte, o desespero humano.

Mas, como comentei, em meio a loucura, ainda havia um pensamento que volta e meia aparecia: a sua imagem. Mas não é sobre isso que quero falar. 

No domingo eu vi aquele que me atraiu por vários meses, ao lado da namorada. Ainda o acho lindo mas, 

na saída, 

saí sem falar com ele. 

Nunca foi amor.

Finalmente, no momento de descanso eu pude ficar um tempo sem fazer nada, o que eu amo, e então alguns detalhes de duas obras me chamaram a atenção nessa manhã fria de segunda. A primeira delas foi no episódio especial de Love Sea (com Fort Thitipong e Peat Wasuthorn, ambos de Love In The Air). A forma como antes Tongrak (Peat) repudiava o amor se entregando ao prazer simples e sem compromisso, ainda que com o mesmo homem por várias semanas, a ponto de literalmente comprá-lo para que estivesse sempre a sua disposição. Esse quadro evoluiu para um personagem apaixonado, e que confessa isso, e que simplesmente não fica mais longe do seu amado. Sendo carinhoso e já criando tradições e momentos próprios dos dois, como fazer um mergulho no mar sempre que retorna a ilha de Mahasamut como um modo de dizer "eu estou de volta, não a uma ilha qualquer, mas ao meu lar, porque meu lar é onde Mut está."

E então, depois de vários meses, tivemos o lançamento internacional do filme dos ZeeNunew "After Sundow." A história gira ao redor de um rapaz que cresceu num templo cuidado por seu tio, e é levado para a casa de um conhecido da família. Lá ele descobre que precisará passar por um ritual de ligação de destinos, em outras palavras um casamento budista/xamanista, para evirar que o outro rapaz tenha problemas graves no futuro que foram previstos anos antes. Muito embora o relacionamento deles comece conflituoso, pouco a pouco eles vão se entendendo, e recordando que já tiveram momentos juntos na infância e que não se lembravam disso. Daí em diante eles passam a cuidar um do outro, enquanto uma entidade sobrenatural, relacionada ao passado da família, retorna cheia de rancor para se vingar.

O ponto que me chamou atenção foi justamente o cuidado de ambos com o outro nos momentos de tensão que, em meio a atmosfera de terror sobrenatural e romance histórico, deu ao filme um ar intimista, onde o companheirismo, o perdão, foi capaz de vencer a força esmagadora do rancor. O filme tem grandes pontos altos: a atuação de Zee e Nunew (Cutie Pie) impecável pela química de ambos (afinal são vários anos trabalhando juntos), uma fotografia belíssima em ambientes agradaveis, cenas delicadas e simples, poéticas, misturando a beleza, uma história diferente das que estamos habituados em BL que, muitas vezes pareceu que iria terminar de modo trágico, mas que ensinou o poder redentor do perdão e do amor verdadeiro. 

O que quero dizer com tudo isso? Uma casa é onde tem alguém nos esperando lá, como disse o mestre Jiraya em Naruto, lição que o protagonista aprendeu ao ser recepcionado pela Aldeia Oculta da Folha após a grande luta contra Pain/Nagato. 

Uma casa é onde tem alguém nos esperando lá. O amor pode justamente ser o definidor dessa casa. Quem nos ama se torna nosso lar. Assim como eu desejo ser um lar para aqueles que amo. Em meio a confusão das últimas semanas um lar para repousar tem sido meu desejo. Como na música "ter uma casinha branca, de varanda, um quintal e uma janela, pra ver o sol nascer..."

Momentos assim, alimento para a alma. Vou dormir agora com o coração quente, como estava quente no último sábado, depois que assisti a Cantata do Café de J.S. Bach na Harmonia Lyra durante a 4° edição do Festival de Ópera de Joinville. Mesmo não tomando café nesse momento, mentalizar o aroma energizante dele me deixa quentinho uma vez mais, como ficaria se pudesse abraçar aquele que amo. 

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"Devo estar envelhecendo para começar a soma das compensações. Mas a alegria de sair em silêncio para visitar um amigo. De amar ou deixar de amar sem nenhum medo, nunca mais o medo de empobrecer, de me perder, já estou perdido!" (Lygia Fagundes Telles)

quarta-feira, 21 de agosto de 2024

Um refúgio na depressão do cotidiano

A primeira notícia que vi hoje é de que uma produtora no Japão prepara um remake do BL tailandês Love in the Air (que foi protagonizado por Boss e Noeul) e que lá vai ter o Shoma Nagumo e Takuto Hamaya. O Shoma é um super-modelo mega famoso, e que fez umas participações especiais em kiss x kiss x kiss25 Ji, Akasaka de, o que foi bem fofo. Acho que essa será a única boa notícia de hoje. Tenho uma reunião logo mais à tarde, que seria agora de manhã e foi adiada sem me comunicarem. Vida que segue. 

Cada dia mais a morte se torna a única esperança.

Dormi ontem o dia quase todo. Assisti algumas séries até às onze, deitei com meu coquetel de remédios e acordei por volta das quatro, comi qualquer coisa e deitei de novo, acordei pelas nove, assisti mais dois episódios e às dez e meia já estava na cama de novo. Ainda acordei cansado. Minha cara denuncia isso, um cansaço profundo, algo pior do que o tédio, mas uma descrença arraigada no ser de tal modo que a existência se torna, por si e em si, penúria e sofrimento indizível. 

Não estou nem mesmo conseguindo disfarçar a cara de cansado, misturado com alergia e depressão. Não há o que fazer. 

Foi um fim de semana que passei a maior parte do tempo fora de mim. Abstraindo tudo ao meu redor. Precisava sorrir, ser simpático, apenas isso. Mantive por três dias. Não descansei, a mente não parou até o momento em que eu tomei um bom porre e capotei. Ainda hoje ela tentou despertar completamente e voltar aquela agitação horrenda, mas tenho tentado não permitir. Ainda tenho a tal reunião e, mais tarde, um ensaio, e pretendo conseguir ver ainda um ou dois episódios antes de dormir.

Em dado momento me disseram que as séries estão me matando, que estão me afastando do contato com as pessoas reais, e eu entendi isso, percebo que até certo ponto pode ser verdade, mas apenas até o momento em que eu recorro as séries pelo exato motivo de já ter contato demais com as pessoas. Quando se é preciso sorrir demais, resolver problemas demais, lidar com questões demais, sem que tenha a possibilidade de fuga ou refúgio, é necessário que eu tenha ao menos essa uma hora de cada noite, em que posso não prestar atenção ao mundo que me cerca. É o único momento em que posso me ver livre, quase completamente, da miséria em que me vejo afundado o resto do dia. 

Tenho me distraído nos últimos dias com Monster Next Door e com I Saw You In My Dream, completamente apaixonado pela leveza e doçura dessas duas histórias, tão simples quanto cativantes. São um momento de tranquilidade, sem prazos, sem mensagens idiotas com demandas imbecis, sem responsabilidade. 

Eu passo meus dias sendo simpático e fingindo interesse em pessoas que não merecem educação e nas quais eu não estou nenhum pouco interessado. E nem mesmo poso me desvencilhar disso, então passo o dia sustentando uma máscara. É necessário um momento sem isso, sem precisar sorrir, e me deixar levar pelas imagens de sombra e luz, pela doçura dos amores, pelas conquistas e galanteios, pela beleza daqueles anjos que, em suas formas quase divinais, desfilam, sorriem e fazem suspirar. É o meu único momento, ainda que tente tornar cada momento único ao seu modo. Mesmo na correria eu ainda tento tomar um chá ou café, sentindo seu perfume enquanto ouço uma música baixinho, tento não me deixar levar completamente pelo ritmo acelerado dos outros, tente viver o hoje e aproveitar o hoje. 

É por isso que, ao fim de um dia, eu nem sempre quero que ele continue, porque eu vivi aquele dia ao máximo. Eu prestei atenção ao que precisava de atenção, eu usei uma máscara mas sorri de verdade quando vi alguém que achei bonito, uma música que passou despercebida para a maioria me fez lembrar daquela noite em que vi o filme com alguém que amava. Gosto de estar com os pés no chão, ver um foto de um ator que amo já torna uma reunião fadigante um pouco mais leve, uma mensagem às vezes torna meu dia mais tranquilo. No meio da multidão suspirar de amor já muda as batidas do meu coração, já deixa meu respirar mais leve. Mas, ainda assim, naqueles momentos solitários à noite, são os únicos em que me encontro plenamente relaxado.

Venho tentando respeitar os limites do meu corpo e da minha mente. Não consigo mais me obrigar a virar noites como antigamente, bebendo e sorrindo. Meu sorriso tem limites. Meu sono é prioridade, assim como meu estudo. Só eu sei o quanto é difícil suportar uma ciclagem rápida por causa de noites sem dormir, ou como preciso recorrer aos remédios para me estabilizar e ainda assim acabar fazendo alguma besteira... Só eu sei. Mas tudo bem, ainda na semana passada eu reclamava do quanto era difícil estar sozinho, sempre sozinho, mas a companhia também nem sempre é confortável o bastante para sobreviver ao silêncio. Ficar em silêncio ao lado de alguém, confortável, como uma leve brisa a tocar as pétalas de uma flor. 

terça-feira, 20 de agosto de 2024

Transbordando

Tentando lidar com a minha ansiedade crescente e, claro, com a das pessoas ao meu redor. Parece que sempre preciso lidar com as minhas tempestades e com as dos outros. Sempre. 

Tem duas harpas na orquestração da Sinfonia N° 2 do Mahler, não me recordo de tê-las notado até agora. Gostei do efeito, me recordaram uma vez a calmaria antes da batalha, sempre a pior parte.

Já há alguns dias isso vem mudando dentro de mim. Preciso então recorrer a respirar fundo. A não me estressar demais, ou os próximos dias serão insuportáveis. Mas é claro que ninguém pensa nisso dessa forma. É loucura tentar deixar todos confortáveis, principalmente aos custos do meu desconforto. Muitas vezes sofrendo sozinho e por antecipação. 

Minhas costas doem, na altura próxima ao pescoço e também dos rins, se irradiando para o restante, como um calor que vai se espalhando numa chapa de ferro. É um dos sintomas da minha ansiedade atacando. Geralmente acontece em dias assim que antecedem grandes eventos. É uma droga, na verdade, me deixar afetar assim. Queria poder controlar esse fluxo, mas, como um oceano, ele parece impossível de se conter, uma força da natureza, da minha natureza. Um ímpeto de langor que destrói tudo por onde passa. 

Uma represa que não conteve e transbordou. 

Transbordar. 

Parece que estou sempre prestes a transbordar. Será que sou um oceano que adquiriu algo de forma humana?

Em verdade não sei mais que forma tenho. Às vezes cheguei a pensar que tenho forma de amor, mas parece que o amor se tornou frágil, vazio e sem contorno. Assim como eu. Mas um oceano ele não tem exatamente uma forma, senão que ele vai e vem, e se estende, se prolonga indefinidamente. Me sinto assim agora, olhando o sol tentar sair depois de dias de nuvens pesadas. Odeio o sol. Prefiro as nuvens pesadas. Acho que o oceano também fica bonito em dias nublados. Muito embora, certo amor ainda me faça sentir o calor e a brisa salgada no meu rosto, como se beijassem o oceano. 

quinta-feira, 15 de agosto de 2024

Existencialismo


Aqueles olhos castanhos 
me deixavam em cárcere. 
não é fácil fugir do inferno
quando o mesmo parece atraente.
e só quando me vi morto,
diante daquilo que um dia amei
dei conta de que o inferno era, e é bem real.

(David Benvenuto)

E, como sempre, eu estou falando demais, reclamando demais, sentindo demais. Por que não consigo aprender a ficar quieto e calado? Sou eu quem sente demais, sou eu quem ama demais. Então por que sinto que eu estou errado, sempre errado nessa situação? 

Queria apenas não sentir nada. 

Não sentir, 

não reagir, 

não pensar. 

Apenas existir, mas, em verdade, existir eu também não queria, 

porque existir significa sentir, 

reagir, pensar, 

e tudo isso dói, 

tudo isso dói demais. 

E eu não queria sentir mais nada. Nada.

Não dizer nada. Não incomodar ou machucar ninguém. Ainda que ninguém se importe comigo assim. Até meu silêncio esconde um sentimento tão alto quanto uma explosão nuclear. 

Sinto a dissolução do meu eu, como se fosse deixando de existir, algo como uma expansão que pouco a pouco fosse me desfazendo. Eu queria que fosse assim. Queria me desfazer. Queria apenas sumir...

"Você pode comer 
o quanto quiser
que essa fome
não vai passar;
nunca passa. 
é o tipo de fome 
que não vem do estômago

mas do vazio da alma."

(David Benvenuto)

quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Uma imitação de vida

"Fazia tanto tempo que desistira de dedicar sua vida a um fim ideal, limitando-se às satisfações cotidianas, que chegou a crer, sem nunca o confessar formalmente a si mesmo, que aquilo não mudaria até a morte; ainda mais, como já não sentia ideias elevadas no espírito, deixara de acreditar na sua realidade, embora sem poder negá-la de todo. Adquirira assim o hábito de se refugiar em pensamentos sem importância que lhe permitiam deixar de lado o fundo das coisas." (Marcel Proust) 

Não consigo viver como os outros. 

Por que a vida me parece algo tão complicado? Como os outros fazem isso? Por que eu não consigo usar maquiagem, ou sair para tomar um café ou comer uma pizza? É sempre trabalho, trabalho, trabalho. 

Sempre cansado demais, sempre exausto, sempre caindo de sono. É um estado depressivo impregnado no meu ser? É anemia? É uma desilusão tamanha que me fez apenas uma casca vazia, que observa o mundo ao redor sem dele fazer parte realmente?

Eu só sei que aquilo que é tão simples e fácil para todos, para mim é uma realidade tão distante quanto a terra está do céu, é como se eu fosse uma serpente que, ao rastejar pelo chão, só pode olhar para a águia a voar pelos céus que ela tanto sonha. 

Mais uma noite que não consigo ficar acordado por nem uma hora a mais. Droga. Como os outros fazem isso parecer tão fácil? Eu só queria conseguir ver mais um episódio sem parecer um zumbi amanhã. 

Mas não consigo. 

"Não é de amor que careço.

Sofro apenas
da memória de ter amado.

O que mais me dói, 
porém, 
é a condenação 
de um verbo sem futuro.

Amar." 

(Mia Couto)

Tenho sérios problemas com esse senhor. Mas eu não quero sair com as multidões, eu quero o simples, porém o simples que vive, que pulsa, que ama. Eu quero aproveitar os dias gelados para andar de braços dados, eu quero poder sentir o vento frio, mas ao seu lado. Mas parece que não ando ao lado de ninguém. 

Ninguém.

O que sonho parece longe, uma miragem. 

E, enquanto isso, parece qualquer coisa, menos uma vida. Uma roseira que alguém podou e que nunca mais floriu. 

"Cada beijo chama outro beijo. Ah! Nos primeiros tempos do amor nascem tão naturalmente os beijos! Acorrem, apertando-se uns contra os outros; e ter-se ia tanta dificuldade em contar os beijos dados numa hora como as flores de um campo no mês de maio." (Marcel Proust)

terça-feira, 13 de agosto de 2024

Respostas

Carta

Da 
vida
não se espera resposta.

(Orides Fontenela)

Dada a largada para a longa maratona da loucura. Nos próximos dias a demanda por atenção, simpatia, prestatividade, e boa dose de disponibilidade sem receber absolutamente nada em troca, atingirá o seu ápice. Logo o cansaço e a fadiga começarão a cobrar de mim uma boa taxa, e meu corpo, além da mente já exausta, será levado ao limite. Serão dias difíceis, onde pessoas sem nenhum senso das proporções me cobram o tempo todo por coisas sem nenhuma importância que, na mente distorcida delas, é o máximo que há para se fazer. 

Estou cansado de todo, de toda cobrança, e a ansiedade voltou a ser um problema para mim. Sei que as pessoas não o fazem por maldade, mas todos entraram nessa espiral de loucura imediata, onde tudo precisa ser feito na hora, de qualquer jeito. E eu me vejo perdido, sem saber até quando aguentarei ser sacrificado desse jeito. Porque em verdade é isso que acontece: meu cansaço não importa, importa que as coisas deem certo, para todos, exceto para mim. 

Eu, que me encontro à beira do abismo, talvez eu mesmo o tenha cavado, e já penso em dar um passo adiante. Para mim nada mais importa, apenas fecho os olhos.

"Adeus amor, 

adeus raça, 

adeus estirpe divina!"

Não há nada mais, apenas o silêncio absoluto da solidão. 

Respostas, respostas, respostas. Todos querem respostas, o tempo inteiro. Que eu saiba resolver tudo. Da vida não se espera resposta, mas sempre as esperam de mim. Minha mente não consegue mais. Sobrou apenas o silêncio. Mas ninguém consegue ver isso não é?

Como queria a tranquilidade de que não me perguntassem nada... Doce sonho!

Só posso torcer para, nesses dias, conseguir pelo menos chegar em casa e ficar tranquilo, assistir tranquilo, dormir um pouco que seja, tranquilo.

segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Filosofia, Amor e Trabalho

Me encanta estar inconsciente e distante de tudo, especialmente da frialdade, do desamor. 

Não há filosofia, 

não há amor, 

não há trabalho. 

Hoje amanheceu num frio intenso (nos meus parâmetros) e fui logo cedo pra missa, que foi em si uma confusão só, pela multiplicação exagerada e absolutamente desnecessária de homenagens aos dias dos pais. Voltei, assisti alguns episódios atrasados de BL e comecei o novo Monster Next Door, com o Big Thanakorn (GenY 2) finalmente como protagonista e o Park Anantadej (2Moons: The Ambassador) conseguindo sair do limbo depois do fracasso dessa série, feliz por eles. 

Dormi pouco depois do meio-dia, o sol brilhava claro mas ainda fresco, na sombra estava realmente frio. 

Zolpidem, Diazepan e Clonazepan, o trio perfeito. 

Acordei já às nove da noite, ainda bastante sonolento, só para tomar um pouco de água, responder uma ou duas mensagens, colocar outra playlist, virar e voltar a dormir. Nada e nem ninguém para me manter acordado. 

Não há filosofia, 

não há amor, 

não há trabalho. 

Só uma vida fria e vazia, e o silêncio de um domingo preguiçoso numa cidade cansado. Encaro e abraço esse doce sono como se fosse a doce morte, que me tiraria desse mundo de uma vez por todas, mas, se não é possível, pelo menos durmo um pouco, onde talvez sonhe com uma vida que valha ser vivida, pois essa, é apenas um amontoado de incômodos. 

Não há conhecimento que nos livre da dor. Pelo contrário: o conhecimento nos torna cada vez mais realistas e conscientes da miséria inerente ao espírito humano. O amor? Se foi há muito tempo. Hoje erguemos muros ao nosso redor para que ninguém se aproxime, todos estão doloridos, machucados, traumatizados de tal modo que o mínimo contato é um gatilho para lembranças horríveis, e ainda assim as pessoas insistem em querer me dizer como levar minha vida. Por isso não quero me aproximar de ninguém. Não há trabalho ou ocupação que torne a mente menos pesada, muito pelo contrário: as dificuldades de comunicação, as demandas urgentes, afinal tudo é urgente (o que significa, ipso facto, que nada é urgente), a falta de responsabilidade e, claro, falta de incentivo, isso aliado ao fato de que, quando acertamos, não passa de nossa obrigação, mas quando erramos, é um erro pessoal, de falta de comprometimento ou atenção, nunca é culpa da desorganização superior.

Não há filosofia, 

não há amor, 

não há trabalho.

Se ao que busco saber nenhum de vós me respondes, por qual razão deveria ainda lhes dar minha atenção?

E por isso me encanta estar inconsciente. 

Talvez se pudesse amar novamente isso mudasse, mas não sobrou muito em mim para isso. Talvez se conhecesse alguém que me encantasse de tal modo, seja com um sorriso doce, olhos brilhantes ou uma inocência simples, que me fizesse esquecer os fracassos passados, as muitas vezes que amei sem ser amado, as vezes que amei quem preferia morrer a me amar, talvez se o amor não fosse para mim algo traumático e doloroso, eu pudesse voltar a amar. 

Mas ao invés de voltar a amar, vou voltar a dormir. 

"Minha atenção tinha se tornado tão fragmentada. e meu mundo, tão barulhento, que eu não estava prestando atenção ao que eu prestava atenção." (antropoceno: notas sobre a vida na terra)

domingo, 11 de agosto de 2024

Solidão que fere

A solidão feriu o coração que precisava de cuidado. 

Quando, sozinho, precisou de alguém que o amparasse naquele luto, naquela luta interna que se expressava na voz embargada e nas lágrimas que caíam copiosamente. Mas aquele que estava ao seu lado na noite anterior, naquela noite de lascívia, de torpor apaixonado, não estava mais quando ele precisou. Uma voz irritante e, depois, nada mais, silêncio, de novo o vazio, o luto violento e brutal. 

Eis que então, quando tudo que havia era apenas o nada, uma casa escura e vazia, quando nem mesmo o cigarro ajudava a tornar aquele dia menos insuportável, um sinal aparece, será a resposta que ele esperava naquela hora de ódio? 

Não, era uma figura alta e esguia, inesperada. Símbolo da justiça falha, da justiça que busca favorecer apenas alguns poucos enquanto os outros sofrem tormentos indizíveis. Aquela figura, em primeiro lugar lhe causou estranheza. 

Não deveria estar ali, não era quem ele queria. 

Não servia.

Alguns dias se passaram. Ele apareceu de novo, sério, mas algo em seu semblante indicava mais. Havia preocupação, e algo mais também, um certo brilho, que incluia lascívia e desejo, mas não apenas isso. Havia algo de real e justo, algo como um pomo de ouro, algo como uma vontade de fazer a justiça acontecer.

Mas aquele coração tão ferido pela solidão talvez já não possa mais ser alcançado. Ele não o tocou realmente, apenas se aproveitou da situação. 

Foram juntos para a cama, mas era apenas um modo de extravasar aquela frustração, enquanto o outro esperava poder evoluir aquele sentimento, aquela primeira impressão que logo se tornará um afeto maior e mais profundo. 

Talvez ainda seja necessário mais tempo, mais esforço, mais paciência, mais cuidado e atenção para que, de algum modo, possa cicatrizar aquelas feridas e, quem sabe, tornar possível o amor. 

Corações feridos podem se fechar em si mesmos. Tornarem-se tão obtusos e até cruéis. Quando isso se prolonga por muito tempo a doçura de antes, o desejo do cuidado, tudo isso acaba se pervertendo em um arremedo de autoridade. O ferido passa querer ferir aquele que o ama porque antes não foi amado. Haverá cura já que chegaram a esse ponto? 

Aquele coração ferido pela solidão precisa de cuidado.

~

Livremente inspirado nos episódios 2 e 3 de 4Minutes (Be On Cloud, 2024)

sábado, 10 de agosto de 2024

Mesmo sem saber

"A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: — o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão." (Nelson Rodrigues)

E eu preciso aprender a ficar em silêncio. 

Minhas palavras são um incômodo, um exagero, um átomo a mais que se levanta. Se sou sempre um incômodo, é melhor então que não diga nada. Preciso aprender a ficar quieto, observar. 

Observar. 

Precisei me forçar para conseguir ficar acordado por mais uma hora ou duas, meu corpo protestou com violência. Eu pensei que queria dormir, os olhos fechando, raciocínio lento, mas não era isso. Quando deitei a mente despertou, e não conseguia dormir, fiquei um bom tempo virando de um lado para outro, até que decidi tomar um Zolpidem com umas cinquenta gotas de tintura de Valeriana. Adormeci sob efeito de comprimidos e plantas, e na certeza de que preciso cultivar cada vez mais a solidão. 

Eu preciso aprender a ficar em silêncio. 

Observar em silêncio os que me rodeiam, os homens bonitos que passam, as pessoas que vêm e que vão. 

Quieto e sozinho como, aliás, sempre fui, 

mesmo quando não sabia. 

"Encontre significado. Distinguir a melancolia da tristeza. Sair para uma caminhada. Opte pela privacidade e solidão. Você precisa respirar. E você precisa ser." (Albert Camus)

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Resenha - Century of Love

 "A maioria das pessoas imagina que o importante, no diálogo, é a palavra. Engano, e repito: — o importante é a pausa. É na pausa que duas pessoas se entendem e entram em comunhão." (Nelson Rodrigues)

Até repeti a citação do meu último texto porque acho que algo nela reflete a essência dessa obra que me encantou, e que atendeu a todas as minhas expectativas, que eram altíssimas. E aqui também tem algo que é o centro de toda a obra: a essência do amor.

Se, na primeira parte da série, a trama corria ao redor do fato da reencarnação de Wad ser um homem, cabendo ao San (Daou Pitaya, de Love in Translation) aceitar e entender que, de fato, aquela pessoa que ele amava, independe da aparência de mulher ou de homem, e que Wee (Offroad Kantapon), embora tenha personalidade bem diferente de Wad, tinha a mesma essência, tanto que mesmo em negação ele ainda se apaixonou perdidamente, tão verdadeira e tão profundamente que a essência do amor de ambos os levou para o segundo arco, e mais importante, que foi conduzido por uma belíssima ponte de transição da narrativa.

Agora percebendo que se amam de verdade, San e Wee levam seu relacionamento até as últimas consequências: o sacrifício de amor. 

Wee é o primeiro a fazê-lo quando decide abrir mão da convivência por conta da falsa Wad que apareceu e que colocou em sua mente o perigo de fazer perder a vida de San: ele afirma que prefere viver sozinho se ao menor puder ver o outro sendo feliz, ainda que longe. Mas isso não dura muito, pois o próprio San percebe que ele já não pode ser enganado pela aparência e pelas memórias forjadas dela, seu coração já é todo do outro. Ao fim temos então San deixando que o sábio use a Pedra das Cinco Cores para salvar a vida de Wee, baleado numa confusão, sem se importar que, com isso, estaria condenando a si próprio a morte, já que a pedra era necessária para o ritual que o permitiria terminar de levar uma vida completa, envelhecendo finalmente depois de cem anos de espera.

Sacrifício. Wee sacrificou seu desejo de estar ao lado de San pelo bem-estar do amado. San se sacrificou pela vida do seu amado. Os dois se amam tanto que colocaram o outro a frente de si próprios. Afinal, quando se ama, nada mais importa além da felicidade da pessoa amada. 

Com a química única de Daou e Offroad, resultado de uma amizade íntima que já dura vários anos, os dois sustentaram uma trama romântica, cheia desses mistérios e intrigas típicos dos lakorns onde a história se desenrola ao redor de uma grande família. Vemos a união dessa família, bem como dos amigos, e aqui claro destaco a atuação do Pond Ponlawit (180 Degrees Longitude Between Us) como Dr. Third que, na última encarnação foi o causador da morte de Wad e que agora se redimiu sendo um porto seguro para Wee e, mesmo competindo até certo ponto com San, soube reconhecer o amor deles, não só respeitando mas também ficando ao lado de ambos nos momentos finais e mais difíceis. 

Também gostei da presença do fofíssimo See Parattakorn (Laws of Attraction) como o amigo bobinho de Wee mas que também ficou ao lado dele nos momentos mais complicados. Essas presenças são importantes, pois mostram o quanto um amor, sendo verdadeiro, move e comove todos ao redor. 

Foi lindo ver o quanto San, amargurado depois de cem anos de espera, voltar a sorrir e se apaixonar, sem reservas, por Wee. Wee, mesmo numa vida tão difícil e solitária ao lado da avó, se entregando e sendo cuidado com carinho. Talvez seja uma lição: esperar pelo amor, ainda que cem anos. O resultado é a felicidade, estampada na nossa cara. E aquele sorriso então? Sem condições. Os dois juntos são simplesmente maravilhosos e então todos nos apaixonamos também, os dois são um sonho: fofos, safadinhos, carinhosos e até bobinhos.

"Se você quer dar beijinhos, tem que usar bolinhos!" (San)

quarta-feira, 7 de agosto de 2024

Flores caídas

"E eu, pobre, que farei, que patrono invocarei?" (Dies Irae)

Toda vez que penso me aproximar de algo, toda vez que, parece-me, vou conseguir sorrir e conquistar algo, por mínimo que seja, vem o fracasso, uma onda gigantesca que destrói tudo, que reduz todos os sonhos, por mais breves e bobos que fossem, a nada. É sempre assim. Eu não posso sonhar, não posso querer nem mesmo uma pequena felicidade que ela me é arrancada das mãos com violência. É como se tentasse segurar a fumaça, ou deter a luz do sol poente por entre meus dedos enquanto a noite se aproxima.

A vida é, nesse sentido, uma sucessão de desgraças brutais. E os homens continuam, dia após dia. Alguns devem viver melhor do que outros, é por isso que a vida parece, no geral, algo suportável e até bom. São alguns poucos que dão impressão. Um exame mais atento, no entanto, mostra que não passa de uma mentira criada para que a gente acredite que há esperança, que com esforço vamos conseguir. Não vamos. A vida é, para a maioria de nós, uma sucessão de desgraças brutais, onde apenas nos distraímos com a falsa esperança daqueles poucos que conseguiram algo diferente.

Quando pensamos que nos livraremos de pequenas dívidas, aparecem dívidas ainda piores. Passamos pelas ruas e multiplicam-se os preços, percebemos necessidades que não precisávamos antes, somos iludidos por um materialismo que dita que seremos felizes após as próximas conquistas. Mas depois das próximas há ainda outras, e outras. Nada pode nos fazer felizes. "Nada pode me encantar na terra, a verdadeira felicidade não se encontra aqui" dizia Santa Terezinha. Quando conquistamos algo, aparece outro objetivo, e nos vemos infelizes diante das possibilidades que se abrem, mas que se mostram como necessidades. Quando pensamos findar um suplício aparece-nos à porta um algoz ainda mais sanguinário. Não se iludam, não há esperança, ao menos não para nós. 

Vim caminhando nessa manhã fresca, não faz mais frio como alguns dias atrás, e algumas flores caídas no chão me chamaram atenção, achei-as belas. Minhas pernas doem como se tivesse feito algum exercício. Tentava encontrar alguma saída para o problema financeiro em que me encontro. Sem sucesso. Nenhuma instituição financeira confia mais em mim, e com meu descontrole habitual, todas têm razão. 

Há alguns quarteirões daqui uma grande grua eleva pedaços pesados de um prédio anormalmente grande para essa área. Queria que alguma daquelas peças caísse sobre mim e acabasse logo com isso. Seria bem mais fácil. 

"esse negócio de nascer. e de morrer. cada um na sua hora. a gente chega sozinho e vai-se embora do mesmo jeito. e a maioria passa a vida inteira sem ninguém, assustada sem entender nada. Uma tristeza indivisível tomou conta de mim. Vendo todas aquelas vidas que teriam que morrer. Que primeiro se transformariam em ódio, demência, neurose, estupidez, em crime, em nada - nada na vida e nada na morte." (Charles Bukowski)

terça-feira, 6 de agosto de 2024

Aforismos

Penso na cor verde, espalhada por toda parte, a minha favorita e você sabe disso, somente sendo substituída, em alguns pontos, pelos diversos tons de marrom que fazem a composição de uma floresta essa obra impressionista que encantou a tantos observadores de todos os tempos. Os diversos tons de verde e marrom da mata, as texturas das folhas, o perfume que se desprende das madeiras e dos frutos e das flores, o zumbido dos insetos e o farfalhar dos gravetos no chão com a passagem de criaturas secretas. 

Quando chove, o toque gentil daquele exército de gotas lança no ar um perfume intenso, e a combinação do pingo de chuva, do solo se umedecendo, do aroma de terra molhada, do espetáculo visual das lágrimas escorrendo nas diversas folhas, como uma grande sinfonia cujo significado é a grande celebração da criação: os céus e a terra cantam a glória de Deus e os homens, ao verem essa peça maravilhosa, louvam e bendizem a Deus por todas as suas criaturas, pelo céu, o sol, a água, pelas plantas e os animais todos que ali vivem. 

E então, ali naquela pequena porção que, no entanto, compreende o mundo todo, tudo o mais é esquecido, ficou para trás, na agitação da cidade em que saímos horas atrás, tudo foi se desprendendo no caminho. Ali, com você, não há necessidade de remédio, apenas a nossa música ou o silêncio de nossas vozes, enquanto ouvimos as vozes de todo a criação, cantando seu Soli Deo Gloria

X

Todo mundo tem um capítulo que não lê em voz alta. 

E foi na noite escura que você estava sozinho, eu longe não pude ajudar. Quando acordei e vi o estado em que se encontrava, só conseguia pensar numa coisa: como queria poder estar ao seu lado. Como queria poder abrir uma porta mágica que me permitisse cruzar metade do país em um único transpassar dos umbrais que nos separam e, uma vez diante de ti, abraçá-lo com força, beijar suas mãos e, de algum modo, te fazer entender que tudo ficaria bem, que eu quero que tudo fique bem com você. 

Apenas isso. 

Porque eu te amo, porque eu odeio saber que você se machucou, que você vai pensar e se martirizar por dias, que sua dor agora vai aumentar... Eu só queria poder extinguir a sua dor porque sei bem que, depois de um tempo, essa dor pode se transmutar em coisas ainda piores, tão mais assustadoras e destrutivas que podem te reduzir ao nada. E eu não quero que você fique como eu. Eu queria poder salvar você! Sim, porque ainda acredito na salvação, na sua salvação. Quero te salvar porque te amo, mesmo que você não queira meu amor.

Mas, pode um demônio desejar a salvação de um cordeiro puro?

X

Uma nova trend surgiu na internet nos últimos dias: é uma make com bastante bronzer e blush para deixar a pele com aquele efeito bronzeamento artificial, com marcas fortes imitando insolação em alguém usando aquelas regatas fininhas,  e vários atores thai entraram na onde, dos que vi os que mais me chamaram atenção foram o Net Siraphop, o Max Kornthas, Fort Thitipong, Peat Wasuthorn e outros... Não vou fazer mais um dos meus chatíssimos monólogos em como eu até queria participar, mas a minha autoestima de me impede de tais peripécias, vou apenas deixar registrado aqui que, em alguns momentos, a beleza, por mais artificial e até superficial que seja, pode ser encantadora. Sei que estou fora daquela definição que Carlos Nougué deu a sua Arte do Belo, em que se trata de "plasmar imagens miméticos significantes para purgar as emoções e assim fazer propender ao bem e ao verdadeiro", ou algo próximo disso, mas sim, no meu caso, essas imagens plasmadas a uma imagem do homem ideal, embora essa definição de home ideal sempre tenha sido problemática, elas ainda ma inspiram ao bem e ao verdadeiro: num mundo onde tantas atrocidades são exaltadas como a realização. Então a "simples" criação de uma imagem a um molde artificioso ao menos é melhor do que a exaltação do feio, do brutal, do assassínio, como ideal humano. 

Homens bonitos, ainda que sejam só isso, são realmente são bonitos. 

Max Kornthas

segunda-feira, 5 de agosto de 2024

Um pouco de caos

Um bom tempo olhando a página em branco, sem conseguir fazer a mente se concentrar em algo extático o suficiente, por um instante infinitesimal que seja, para registrar em palavras. Mas nada permaneceu, tudo se moveu, como um rio poderoso carregando tudo. Antes das nove da manhã já tinha feito uma conferência inteira sobre o sucesso do Fourth Nattawat e do Gemini Norawit do ponto de vista executivo da GMM TV e de como eles devem ser explorados daqui pra frente e as possibilidades para eles na indústria do entretenimento. Mesmo que ninguém tenha me perguntado nada disso. 

Marcel Proust descrevia as paragens de Combray na vinda para cá, fiquei tonto com a riqueza de detalhes de uma consciência infantil e apaixonada daquele modo. Ele, no entanto, não parece tomado da burrice própria dos apaixonados como eu. Por isso enquanto ele descrevia as paisagens, depois de certamente ter se alimentado delas, assim como se alimentou das consciências que descreve, eu apenas fazia minha conferência a um público imaginário.

Sábado é sempre um dia desgraçado. 

As pessoas se apinham nos ônibus apertados, de cara feia porque só uma pequena parcela da cidade trabalha no último dia da criação. Não sei se torço para que tenha algum movimento aqui ou para ficar quieto, as duas opções me parecem chatas. Uma é cansativa e a outra tediosa. Schopenhauer teria orgulho de mim. 

Ou talvez ficasse entediado.

Me sinto também despelado, naquela definição de Roland Barthes, no livro "Fragmentos de um discurso amoroso": "Sensibilidade especial do sujeito apaixonado, que o torna vulnerável, a mercê das mais leves feridas." 

Esse foi outro pensamento que me ocorreu. 

No player o caos de Stray Kids: eles mesmo dizem não é "chaos, we so catastrophic"?

Os vizinhos preparam uma festa que logo deve começar, já inflaram um castelo para as crianças pularem, o que é basicamente uma declaração de "não aguentamos crianças então contratamos um serviço tosco o bastante para distrair elas e não nos encherem o saco o dia todo."

Estão de cara feia para mim, ou talvez não, não sei ao certo, estou perdido demais para entender. 

Não importa. 

Talvez eu assista algo. 

Talvez tome um pouco daquela cachaça de Butiá que deixaram na cozinha. 

Espero que esse dia acabe logo, talvez amanhã eu posso tomar meus remédios e dormir um bocado em paz.

Paz.

Acho que é um dos poucos desejos que ainda tenho, e que me negam veementemente.

Trabalhe, seja saudável, seja inteligente, faça amigos, mas não seja intrometido, não faça amigos de mais porque isso é ser falso, seja recompensado com traições, solidão, ingratidão. Esteja disponível, "vista a camisa da empresa", seja pago com gratidão, mas não dinheiro, trabalhe aos sábados com um sorriso no rosto, participe de reuniões e responda mensagens em dia de folga. 

O trabalho dignifica o homem. Mas qual homem? Como não se revoltar com esses homens?

O sábado é sempre um dia desgraçado. 

"Em algum lugar dentro 
de mim
uma estranha 
confiança 
se erguia. 
as outras pessoas apenas não 
pareciam 
valer muita coisa 
para mim. 
eu circulava 
com esse
leve ar de desprezo 
no rosto..."

(Charles Bukowski)

sábado, 3 de agosto de 2024

Entre o Sol e as Nuvens

Me encontro em plena personificação do pessimismo. É um dia qualquer, não está nublado e sombrio, mas também não há sol. Não há muito movimento, e eu queria poder voltar para minha cama, ou tomar um copo bem quente de cachaça. Poderia me atirar escada abaixo, na esperança de conseguir um fisioterapeuta gostoso como o personagem do Garfield em This Love Doesn't Have Long Beans, mas conhecendo a minha sorte, eu no máximo teria que trabalhar machucado mesmo. Daqui da janela vi que o sol brilhou rapidamente, mas logo se envolveu nas nuvens de novo. 

Em mais uma ciclagem, me encontro agora com a mente desperta e ativa, naquele giro típico dos dias de hipomania. Odeio ser assim. Ontem eu estava naquele estágio letárgico, melancólico e carente. Sobrou ao meu afilhado e amigo aguentar meus devaneios e filosofemas afetivos sobre o amor, o conhecimento e tudo mais... Embora esses questionamentos estejam sempre em minha mente e coração, não quero mais os externar desse modo, sendo um peso, um fardo pesado e incômodo aos demais, ocupando seu tempo e suas mentes com minhas fraquezas emocionais, com minhas constantes mudanças de humor. 

Eu ainda sou um problema para mim mesmo, mas devo sê-lo apenas para mim. 

Embora a mente esteja elétrica, e os compromissos se multipliquem na agenda para as próximas semanas que serão, não apenas caóticas, mas exigirão uma disposição e paciência tais que não poderia ter jamais nem em dez vidas, mas que de algum modo, seja medicado ou com a cara cheia de café e energético, eu terei que providenciar. 

Parece que o sol saiu um pouco mais novamente. 

Droga. 

parada

Fazer amor no sol, no sol da manhã
num quarto de hotel
acima do beco
onde os pobres recolhem garrafas;
fazer amor no sol

fazer amor sobre um carpete mais rubro que nosso sangue, fazer amor enquanto meninos vendem manchetes
e Cadillacs,

fazer amor junto à foto de Paris
e ao maço aberto de Chesterfields, 
fazer amor enquanto outros homens-pobres 
coitados trabalham. 

Daquele momento - a este... 
talvez sejam anos na medida comum,

mas é só uma frase na minha memória - 
são tantos os dias 
em que a vida para e desliga e senta
e espera como um trem nos trilhos.

eu passo pelo hotel às 8 
e às 5; há gatos nos becos
e garrafas e vagabundos,

e eu olho a janela e penso, 
não sei mais onde você está,

e sigo andando e me pergunto pra onde
a vida vai
quando ela para.

(Bukowski)

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Cultivando o amor

Como é bom quando a realidade supera as expectativas. Daou e Offroad continuam me ensinando tanto e me mostrando cenas tão lindas, que vieram a casar tão bem com um pequeno declínio dos dias de melancolia intensa em que estava mergulhado. 

Decisões difíceis e dolorosas de serem tomadas, e o amor presente em cada uma delas. O jovem que, já apaixonado, ainda assim roubou aquela que poderia ser a única chance de sua avó viver, e a velha que a rejeitou, sabendo que ele não ficaria sozinho, mas que teria o outro cuidando dele. 

O homem que esperou cem anos se vê em dúvida entre duas pessoas que podem ser sua amada, por quem ele esperou tanto tempo. Mas e agora, quem será? O homem por quem ele se apaixonou ou a moça, idêntica a sua amada, que se lembra de tudo, mas por quem ele não sente nada? A dúvida lhe estampou a face, tomado de confusão. 

A dor lancinante de ter sido roubado não foi maior que a dor de ver seu amado mentindo para todos, em nome de seu amor, porque decidiu que seria melhor não arriscar a vida daquele que passara um século esperando por alguém que poderia não ser ele. Colocar quem se ama em primeiro lugar, Wee fez isso duas vezes, com sua avó e com San. Offroad deu um show de interpretação em tantas camadas: o medo de perder sua família, de perder aquele a quem amava, e vendo-se sozinho, optando por não arriscar a vida de San. 

San, no entanto, não se convenceu das palavras ditas pelo jovem, e permanece em busca de esclarecer as coisas. Percebe a dor que causou nele ao demonstrar a confusão que a aparição da nova mulher causou em seu coração, mas a verdade de seu sentimento veio à tona quando, de joelhos aos pés dela ele pede perdão e diz que, mesmo tudo indicando que ela é, na verdade, quem ele esperou todo esse tempo, é Wee quem ele realmente. 

O amor não é então fruto de uma magia, nem mesmo de aparências perfeitas, nem de memórias intactas: o amor é mais profundo que tudo isso, é algo tão verdadeiro que transcende o aparente e toca a essência daqueles que amam, e os transforma profundamente.

San não imaginava, nem sequer aceitava, amar outro homem, e agora ele consegue até mesmo dizer para a mulher que é idêntica a sua amada de cem anos atrás, que Wee é quem deve ficar ao seu lado. E garoto que até pouco tempo ele nem mesmo suportava, se tornou para ele objeto de amor tão profundo que ele consegue ver através de suas palavras, como se as lágrimas de ambos fossem como que lentes, permitindo-lhe ver a verdade por trás do que foi dito. 

Amor, verdade e sacrifício. Wee sucumbindo ao ficar sozinho, decisão triste, dolorosa, a mais difícil e, porém, a mais necessária. Nessas caminhadas difíceis pelas estradas do destino, amar significa muitas vezes sofrer para que o outro seja feliz, ainda que eles estejam perdidos em meio às mentiras e invencionices, enquanto permaneço na esperança de que logo se libertem e sobre apenas o amor. 

Amor, tão incompreensível e intraduzível, mas que ainda se faz visível e palpável por meio das ações e das lágrimas, amor que é como um tesouro, uma esfera que guardamos com preciosismo e cuidamos com todo nosso ser. Não há muito que possamos fazer além de cultivá-lo. 

quinta-feira, 1 de agosto de 2024

Silêncio e Escuridão, Novamente

Minha voz
não chega aos teus ouvidos

meu silêncio 
não toca teus sentidos

sinto muito
mas isso é tudo que sinto

(Alice Ruiz)

É o lamento solitário desse jovem barroco. Alma velha, ferida pelos anos que não passaram ainda, e que já se cansa dos que se estendem demais. Velho amante a se lamentar os amores que não viveu.  

Não é uma acusação, é um choro dolorido, adágio lamentoso

E por falar em adágio, as músicas esses dias têm refletido minhas mudanças de humor. Passei o fim de semana inteiro ouvindo em repetição as melancólicas e meio eróticas músicas de Cigarettes After Sex. Hoje estou preferindo a agressividade do rap do TARA, um cantor tailandês que canta as maiores canalhices enquanto faz séries fofinhas. 

Acho que já é terceira vez que digo isso essa semana, mas queria muito poder voltar pra minha cama, para aquele silêncio, aquele calor acolhedor. Eu sei que lá nem tudo é melhor, mas não há outro lugar em que eu queira estar agora, não desejo nem mesmo como tantas vezes antes a presença de alguém, desejo apenas a inconsciência. Me canso de minha própria repetição, mas a melancolia tem algo de constante em mim. 

É um momento de silêncio e escuridão. 

Cruzei brevemente com aquele jovem acólito em meio à multidão, ele não percebeu minha presença perdido entre tantas pessoas, mas eu o observei. Em outros tempos talvez tivesse me sentido feliz por vê-lo, mas não, me lembrei do quanto o acho bonito, mas não senti nada ao vê-lo, o vazio em mim permaneceu vazio.

Fui dormir e acordei com o mesmo sem vontade que vim ao mundo. Longos minutos olhando essas linhas na esperança de que despertassem algo no meu ser. 

Nada. 

Apenas o vazio que continua. 

Mas, pelo menos agora, ao contrário dos últimos dias, sinto pelo menos um pouco de amor.

Em quem você pensa quando seus sentidos estão em suspenso? Não foi em mim que pensastes. Eu quase sempre penso em você, e isso diz muito sobre mim, sobre nós.