quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Uma imitação de vida

"Fazia tanto tempo que desistira de dedicar sua vida a um fim ideal, limitando-se às satisfações cotidianas, que chegou a crer, sem nunca o confessar formalmente a si mesmo, que aquilo não mudaria até a morte; ainda mais, como já não sentia ideias elevadas no espírito, deixara de acreditar na sua realidade, embora sem poder negá-la de todo. Adquirira assim o hábito de se refugiar em pensamentos sem importância que lhe permitiam deixar de lado o fundo das coisas." (Marcel Proust) 

Não consigo viver como os outros. 

Por que a vida me parece algo tão complicado? Como os outros fazem isso? Por que eu não consigo usar maquiagem, ou sair para tomar um café ou comer uma pizza? É sempre trabalho, trabalho, trabalho. 

Sempre cansado demais, sempre exausto, sempre caindo de sono. É um estado depressivo impregnado no meu ser? É anemia? É uma desilusão tamanha que me fez apenas uma casca vazia, que observa o mundo ao redor sem dele fazer parte realmente?

Eu só sei que aquilo que é tão simples e fácil para todos, para mim é uma realidade tão distante quanto a terra está do céu, é como se eu fosse uma serpente que, ao rastejar pelo chão, só pode olhar para a águia a voar pelos céus que ela tanto sonha. 

Mais uma noite que não consigo ficar acordado por nem uma hora a mais. Droga. Como os outros fazem isso parecer tão fácil? Eu só queria conseguir ver mais um episódio sem parecer um zumbi amanhã. 

Mas não consigo. 

"Não é de amor que careço.

Sofro apenas
da memória de ter amado.

O que mais me dói, 
porém, 
é a condenação 
de um verbo sem futuro.

Amar." 

(Mia Couto)

Tenho sérios problemas com esse senhor. Mas eu não quero sair com as multidões, eu quero o simples, porém o simples que vive, que pulsa, que ama. Eu quero aproveitar os dias gelados para andar de braços dados, eu quero poder sentir o vento frio, mas ao seu lado. Mas parece que não ando ao lado de ninguém. 

Ninguém.

O que sonho parece longe, uma miragem. 

E, enquanto isso, parece qualquer coisa, menos uma vida. Uma roseira que alguém podou e que nunca mais floriu. 

"Cada beijo chama outro beijo. Ah! Nos primeiros tempos do amor nascem tão naturalmente os beijos! Acorrem, apertando-se uns contra os outros; e ter-se ia tanta dificuldade em contar os beijos dados numa hora como as flores de um campo no mês de maio." (Marcel Proust)

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