quinta-feira, 6 de abril de 2017

Silêncios e flores

Ao contrário do que pensam os leigos no assunto, uma música não é feita apenas de uma combinação de sons, mas é uma complexa combinação entre o som e o silêncio que nos dá o resultado final que tanto nos maravilha a alma.

Já dizia Platão que toda arte é ensinada pelo corpo, menos a música que é ensinada pela alma. Quem nunca ouviu uma música e sentiu que ela nos elevava o pensamento? Nos fazia viajar para longe, contemplar paisagens que nunca havíamos visto antes? Essa é a característica da arte mais elevada... Conduz a alma. 

Muitas são as imagens que me veem a mente durante uma apreciação. Por exemplo, Mahler me leva a contemplar grandiosas visões de realidades etéreas, elevadas, de mundos que não existem, ou que existem, mas que só consigo ver naqueles momentos. Não poderia escrever jamais as idílicas visões que tive ao ouvir suas sinfonias... Tchaikovsky é outro com o poder me levar, no entanto nunca viajei por campos etéreos em sua companhia, mas sim caminhei ao lado de heróis verdadeiros, por terras verdadeiras, que ele mesmo deve ter vivido, e que conseguiu suas dores e glórias em sua música.

Em todas essas composições o silêncio tem papel importante, embora seja a ele relegado um papel secundário, que não raramente passa despercebido pelo público geral. Ironicamente não foi uma composição erudita que me trouxe essa compreensão, que dormia no meu subconsciente desde as aulas de violino anos atrás, mas uma música do K.Will, calma, delicada, repleta de pausas, que me fez diminuir o ritmo frenético dos estudos da pós para contemplar um campo de belas flores onde começava a chover.

Nesse campo as flores tinham diferentes tons de rosas. Eram rosas, tulipas e orquídeas, de diferentes matizes. Uns mais delicados, pareciam que iriam se desmanchar ao menor toque do vento. Outros eram mais fortes, imponentes e brilhantes, e me fez comparar o rosa ao vermelho sangue das rosas que tanto amo. 

Me deti um bom tempo olhando aquela bela visão. O vento soprava delicadamente por sobre as flores e algumas pétalas voavam em direção ao desconhecido. Essa singela ação me recordou da brevidade da beleza da criação. Naquele momento me veio a compreensão que não poderia contemplar aquelas rosas para sempre. 

Levantei meus olhos para o céu, que estava completamente cinza, frio e triste, imponentemente frio. Em poucos instantes começou a chover, e as pesadas gotas de água caiam por sobre as flores, pressionando aquele doce jardim como mãos de gelo. Choveu pesadamente por muito tempo, até que a força implacável dos céus começou a cessar. 

Ao longe uma faísca de luz começou a cintilar e eu percebi que a chuva começava a passar. Pensei que poderia assim contemplar aquela beleza novamente. 

Esperei de olhos fechados que a água parasse de cair, ainda sentindo os ossos frios e enrijecidos, acreditando que aquela visão iria me aquecer novamente. 

Quando finalmente parou, e pude sentir o calor do sol novamente sob o meu rosto, eu abri os olhos.

E qual não foi a minha surpresa quando vi que o belo jardim não mais existia. Suas pétalas estavam destroçadas pelo chão, destruídas pela força da chuva que caiu impiedosamente sobre elas, e foi ali, vendo aquela beleza destruída que eu comecei a chover.

As minhas lágrimas caiam de forma tão pesada e desesperada quanto as da chuva, mas não importava quanto tempo eu chorasse, elas não voltavam a crescer. Dias inteiros se passaram, minhas lágrimas continuavam caindo, mas o jardim cor de rosa não reaparecia. 

Num dia, quando passava como de costume pelo lugar que um dia fora o mais belo que eu já pude contemplar, notei um ponto amarelo, em meio a massa verde, a única que sobrevivera após a tempestade. 

Me aproximei e vi que era uma pequena flor amarela. Me perguntei como poderia ser, uma flor amarela no meu jardim cor de rosa.

E então olhei ao redor, e notei que haviam pequenos botões crescendo aqui e ali, de várias cores, as rosas retornaram, mas ao lado de flores amarelas, vermelhas, brancas, de todas as cores. 

Percebi que o jardim nunca fora meu, e o fato de eu amar as flores rosas não poderiam fazer com que elas existissem para sempre, nem que fosse para sempre iguais. E foi assim, tendo essa concepção recém adquirida pelo silêncio que elas fizeram em sua ausência, que eu pude ver o jardim crescer novamente e se tornar um mar de cores.

Se fosse sempre rosa, não saberia eu o quanto a variedade de cores poderia ser tão bela. E eu me sentei ali, de frente para elas, a me deslumbrar com cada pequeno e único detalhe das pétalas, a contemplar novamente uma beleza desconhecida e efêmera da vida.

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