quarta-feira, 15 de novembro de 2017

Íntimas convicções

O aprendizado é um caminho longo, tortuoso e na maioria das vezes dolorido demais para que a gente consiga compreender o que o tempo tem a nos ensinar. 

Aprendemos com a dor, com o amor, com as quedas e também com as vitórias. No entanto, como grande mestra da verdade que é a vida tem sempre em mãos a pedagogia mais dolorosa, que não sendo nem de longe a mais agradável em se suportar é sem dúvidas a que melhor ensina. 

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!

Com o tempo, após muitas dores, vamos compreendendo, no íntimo, que nem tudo é como queremos, quase nada na verdade, e que as decepções nos ensinam, uma após a outra, a não criarmos expectativa infundadas no outro, pois estas não tem como resultado outra coisa senão a dor. 

O homem lentamente começa a perceber que não deve viver dependendo dos outros, e que sozinhos vivemos todos e cada dia de nossas vidas. Por mais dura que pareçam essas palavras a verdade sentida na pele, ou no coração, dói ainda mais, e nos corta como aço frio. 

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Claro que essas são palavras ditas na frialdade de uma manhã calma, depois de, numa noite tortuosa, chorar por aquele que minha alma e meu coração clamam. Na noite escura é tudo pior, a vista se turva e a mente se distorce de tal maneira que não mais diferença entre o mais erudito dos homens e o mais bruto dos animais. Ambos passam a buscar, desejar e clamar apenas pela saciedade dos seus anseios mais profundos e primitivos. E é na noite escura que o homem abandona a sua casca fina para tornar-se um animal por completo. 

Acumula-se o ódio ao seu desejo e está terminada a receita do homem-besta, sem que nada nesse mundo tenha poder para parar a sua ganância visceral por almas e sangues corrompidos também pela mesma noite escura. 

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Não há por sobre a terra esperança das relações amigas e companheiras que lemos nos romances. Antes ainda há apenas conflitos de interesses que, coincidindo em dados momentos parece ser uma caminhada conjunta mas na verdade esconde a traição que se dará ao cruzar os terrenos frios do abismo dos mortos. Oh, atravessando juntos o vale parecem se tornarem amigos, mas apenas enquanto necessitam de tua proteção. Quando então cessa o perigo a lança arrebenta impiedosamente o coração do mais fraco, daquele que primeiro acreditou ter encontrado um companheiro.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!

Grandioso é o homem que não aguarda que lhe apunhalem pelas costas. Grande é o homem que não se deixa iludir e ludibriar-se pela palavras doces dos que o rodeiam. Sábio é aquele que entende logo que está sozinho por sobre a terra, e que não há nesse mundo esperança para os seus sonhos vazios. Sagaz o homem que trai antes de ser traído, que mata antes de ser morto, pois esse sobrevive a selva das paixões humanas, que diferenciando-se em forma em nada mais se diferencia da selva dos animais. 

No entanto só é feliz aquele que não deposita sua felicidade no outro, mas em si mesmo, e que não se deixa levar pela luxúria do toque, do beijo, do carinho do outro, mas antes percebe que até mesmo o mais íntimo de seu próximo apenas lhe serve ao próprio contentamento, a satisfação dos próprios apetites bestiais. 

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Obs.: Linhas em itálico retiradas dos Versos íntimos de Augusto dos Anjos.

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