sexta-feira, 3 de novembro de 2017

Noite, morte e amor

A noite quente impera por sobre as luzes amarelas e brancas das cidades, o azul aveludado recobre o mundo como um grosso cobertor, e o calor por ele retido encharca os homens com o próprio suor, translúcido, frio. É a dicotomia da temperatura, do corpo que tenta esfriar a si enquanto o mundo o embebe em uma lufada de ar quente.

Também a mente sofre com as intempéries, e esta faz o coração tornar-se vulnerável a outras mudanças, estas de origem mais ideal do que aquelas. O coração sofre com o amor, e levanta os olhos aos céus, esperando encontrar ali alento, mas apenas se depara com a gigantesca demonstração de sua pequenez frente aos mistérios de sua própria existência. 

Assim como um guerreiro sem armadura expõe ao seu inimigo a fragilidade de seu corpo, um coração vulnerável fica mais propenso aos ataques da lâmina do destino que, sedenta por sangue, o golpeia fortemente na espera de que o homem caia de joelhos e, implorando por sua vida, veja o céu acima de sua cabeça fechar-se em uma eterna negritude. 

O que difere a noite da morte? Serão no fim dos tempos a mesma coisa? Ao que me parece a noite tem em si certa semelhança com a morte... Além de ambas carregarem o manto escuro trazem consigo o mistério do desconhecido, e sua aura inspira medo e curiosidade a todos que a contemplam igualmente. 

Deitando-se o homem sobre a relva em algum campo distante ou na cidade mais movimentada e voltando seu olhar para o céu estrelado tem em si a mesma inquietude que um observador experimenta ao fitar um corpo inerte, já sem vida, a repousar em seu féretro.

Também o féretro é adornado para receber seu hóspede, e a noite é coroada pela lua, acompanhada pelas miríades estrelas. A noite é a representação universal da morte, que convida à contemplação os homens aqui na terra. 

Olhem para o alto, vejam na imensidão infinita, obscuríssima, da noite a mesma incompreensível e desconhecida verdade, escondida na tenebrosa capa da morte!

A incompreensão da verdade desconhecida, obscurecida pela noite e pela morte, deixa no coração do homem uma triste sensação, de medo e de vazio, e esse vazio aflige o entendimento do mesmo gênero humano de tal forma que pode-se dizer que o desespero pela sua vulnerabilidade lhe aterroriza desde o primeiro pensamento. Isso relaciona o primeiro pensamento do homem, o do medo, com o mesmo medo que ele sente ao deparar-se com uma situação nova, onde despido das armaduras de seu intelecto seu coração mole e frágil fica exposto a lâmina fria do inimigo.

A noite encerra dentro de si o mistério da morte, do desconhecido, e também recorda o homem de sua vulnerabilidade, a única coisa de fato grande, e assim a morte e a noite revelam sua semelhança com o amor, capaz de levar o coração ao extremo do desespero frente ao obscuro futuro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário