terça-feira, 22 de setembro de 2020

Agrestes e escarpados

Pra que falar? As palavras nunca pareceram me ajudar, antes disso, acho até que elas alimentaram de certa forma o que eu não queria crescendo dentro de mim. Cada vez que digo algo bonito, cada vez que eu transformo em dor uma poesia, cada vez que pinto um quadro, por mais melancólico que seja, inspirado no que sinto e no que vejo, cada vez que deixo transbordar meus sentimentos em forma de palavras, eu sempre me sinto ainda pior. É como se as minhas palavras tivessem sim um poder, mas de fazer exatamente o oposto do que eu quero, e como só consigo dizer aquilo que sinceramente quero, sequer posso mentir para tentar conseguir o que quero. 

Eu até penso em falar sabe? Mas aí quando estamos próximos eu perco a coragem, e sinto como se não quisesse estragar o momento, momento em que seguramos as mãos com os dedos entrelaçados com força, estragar e nunca mais ter a oportunidade de ser como somos agora. Eu não quero viver sem aquele abraço quente, sem as risadas altas e brincadeiras bobas. Eu não tenho coragem de arriscar tudo isso por causa de um devaneio, um pensamento obsessivo que sempre me faz apaixonar pela pessoa errada, que sempre me faz confundir o carinho. Carrego comigo essa maldição. Sou condenado a sempre sentir apaixonadamente, e a sofrer na carne as consequências do sangue fervente que corre em minhas veias. 

Esse é o mesmo impasse de sempre. Mas todas as outras vezes eu arrisquei a dizer o que sentia e tive de lidar com as consequências. O que me leva mais uma ver a crer que vivo num ciclo infinito, samsara, preso ao destino de sofrer nas mãos dessa loucura fronteiriça, desse sentimento de sempre precisar de alguém, de desejar alguém mesmo quando sinto que estou bem assim sozinho, de ter medo de dormir sozinho, sem ninguém para abraçar. E me imagino num futuro longínquo, quando se forem meus pais e meus amigos estiverem ocupados demais. Me imagino moribundo, entregue aos vícios e rodeado de sujeira, exalando o cheiro podre de uma existência que nunca foi. O fim do ciclo é também o fim do ser, e tudo retorna ao nada. 

É um baita drama não é mesmo? Começar sobre uma dúvida sobre uma paixonite platônica (no sentido popular do termo, esquece a aula de filosofia) e terminar numa reflexão sobre o futuro bucólico no melhor estilo niilista... É, e é exatamente disso que falava nos primeiros parágrafos: colocar em palavras o que sinto pintando um quadro cinza que, ao conferir a situação o status de um grande problema capaz de me fazer vislumbrar um futuro catastrófico, acaba por tornar ainda mais real o que antes podia ter ficado apenas na minha mente. Parece que ao tomarem a forma de caracteres numa página em branco eu dou também uma existência física a tudo aquilo que tentava manter preso nos recessos da minha mente. 

Eu olho profundamente para dentro de mim, e noto a presença quase intangível e invisível que espreita sob o meu desperto no interior dos meus sonhos mais sombrios. Eu olho profundamente e não vejo esse futuro apocalíptico, mas vejo algo tão patético quanto: vejo alguém que não nasceu para ser amado, que pode estar reforçando um já imenso voto secreto ao dizer essas palavras, um alguém que nasceu para desejar, para sentir, para querer sem jamais conseguir tocar no objeto de seus desejos mais profundos e genuínos, aquilo que se encontra onde não há mascaras, no espelho em que se olha a fera que gritou EU no coração do mundo e que, no entanto, é uma fera condenada a vagar sozinha, sem que ninguém nunca responda aos seus chamados. Um lobo da estepe, vagando por agrestes e escarpados seguindo o chamado do amor, sem nunca encontrá-lo. 

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