sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Vórtice



É um dia em que preferi ficar um pouco, mais, sozinho. Desde ontem que já não estava muito disposto a conversar, um pouco cansado e enjoado de tudo. É aquela velha coisa do sentir-se sozinho e vazio, e por isso mesmo não querer outra coisa além de ficar sozinho. 

Assisti mais aulas, aproveitei pra ler, mesmo com a atenção um pouco prejudicada, mas ainda assim tive um bom aproveitamento. Também dormi ou ao menos fiquei mais tempo deitado e de olhos fechados, e como sempre esses momentos são de um poder incrível para acalmar o espírito de certas potências. 

Essa vontade, ou falta de qualquer vontade, é na verdade movida por uma forte desesperança que se abateu sobre mim nos últimos dias. A ocorrência de inúmeros pequenos problemas me chamaram a atenção para o fato de que, ao que me consta, parece que tudo nessa vida tende a dar errado nos mais mínimos detalhes. É como se uma criança implicante estivesse no controle de tudo e se divertisse com a perspectiva de simplesmente azucrinar a vida dos pobres que não possuem tal onipotência. E, como o disse, é assim em cada pequenino detalhe: desde o barulho irritante de uma cadeira de escritório até o pane geral da fiação elétrica, tudo contribui para a completa loucura do homem que apenas tenta viver os seus dias nessa miserável existência com o mínimo de dor possível, o que me parece ser justamente impossível, pois o mundo sempre nos dá o máximo de motivos para desistir e mergulhar na completa loucura. 

É dessa loucura que a cada dia me aproximo mais. Já vislumbro os umbrais de sua residência. Já ouço os gritos alucinados daqueles que se entregaram e se deixaram vencer pelas cordas manipuladores do destino maldito que os corrompeu reduzindo-os a criaturas de ódio e saliva a gritar-se por entender, finalmente, que não poderiam vencer. 

E por isso jorram aqui as últimas palavras do que um dia foi um homem consciente de sua posição perante a força de um universo de vontades malignas invencíveis: o tratado irritantemente interminável que a cada diz se vê acrescentado de novas linhas que ninguém se dispõe a ler. Que a cada dia traça com caligrafia rubra o sangue escorre dos olhos, perfurados com violência para não mais verem a sujeira em que se encontra o mundo. 

Não há esperança, e por mais pessimista e quase niilista que isso possa soar é uma verdade facilmente observável por quem não tenha medo de encarar a crueza do mundo. Não há esperança. Só o que há é uma continuação dramática, uma repetição infindável de horrores, uma roda que lança seus raios obliterando a todos e que nunca cessa de girar. Não há esperança, há apenas o horror do fim que nunca chega, que nos lança na fogueira que nunca para de queimar, as águas revoltas que nunca diminuem sua fúria, ao furacão que nunca termina de girar e lançar sobre a terra com violenta ira a todos que um dia se atreveram a levantar os olhos ao céu clamando por piedade, mostrando que o nosso lugar é no chão, destruído, esmagados, quebrados ao meio e abandonados a própria sorte, sorte essa que não existe senão naquelas mesmas linhas do destino que nos comanda como aos seus bonecos, guiando-no no caminho da condenação eterna. 

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