quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Tensões

Num momento me senti perdido, como se quisesse fugir de todas aquelas vozes que cantavam sobre experiências tão vazias, sobre coisas tão banais. Tenho horror a tendência de refugiar-me na banalidade, a fugir do que importa, tenho horror a tendência de sonhar utopias tão distantes e falar delas como se fossem realidades próximas e necessárias, absoluta e irrevogavelmente necessárias. 

Para onde quer que olhe vejo pessoas que lutam contra forças invisíveis como cavaleiros dos valores de justiça e nobreza combatendo o dragão do capitalismo que a tudo destrói e persegue, do racismo que se vê em todas as situações, das milhares de fobias que surgem todos os dias, mostrando que não toleramos nada e nem ninguém, quando na verdade ninguém se importa realmente com o outro a ponto de se incomodar de verdade com alguém pela forma como ela se veste ou por quem ela leva para a cama. E num mundo onde milhares de pessoas morrem diariamente pela violência falam como se a preferência de beijar uma pessoa preta ou branca fosse o problema mais emergencial. É dessa banalidade que falo com desprezo, desprezo por quem já não sabe medir o que é prioridade e que raciocina com a mesma lógica psicótica de quem precisa encontrar um culpado no mundo para tudo aquilo que o incomoda por não saber o que realmente o incomoda. Enfim. 

A felicidade que sucede o medo e o incômodo pelo barulho, os sorrisos ao redor de uma mesa com batatas, molhos e brincadeiras. O filme de terror cheio de gritos e a cabeça reclinada sobre o peito de quem amamos, ouvindo as batidas do coração, sentindo o perfume doce do hálito, o calor dos braços num amplexo do emaranhado de braços e pernas, como se aquele abraço fosse o melhor lugar do mundo, e de fato era. Mas também era apenas um abraço, sem maior

es consequências. A vida continua sendo essa sucessão de tensões insolúveis, contra as quais lutamos como se não fossem parte integrante da realidade. 

Medo e coragem. Silêncio e o cantar alegre de quem quer calar o silêncio e não ouvir o coração. Dieta e gula. Sono e o despertar de quem poderia desmatar uma floresta com as mãos nuas. O sonho de saltar e destruir o chão com apenas um soco, a tranquilidade que é saber que não se depende das forças dos músculos e sim daquilo que se aprende pra viver. A permanência e o êxtase da transformação. v Tensões. 

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