quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Sobre exitar

Os dias têm ficado mais longos desde que começou essa pandemia, isso pelo menos é o que todos dizem, e acho que nunca tinha me atentado diretamente pra isso até agora. Os meus últimos dias têm rendido bem mais do que o normal, nada daquele correria de quando trabalhava, em que chegava em casa meio dia, dormia, acordava e corrigia provas, conseguia estudar alguns dias, noutros estava tão cansado que só queria tomar um banho e descansar, pra dormir cedo e no dia seguinte começar tudo de novo. Agora consigo estudar, ler um ou dois livros, dormir e ainda assistir uma porção de séries, tem sido bastante produtivo.

Alguns dias estou mais animado que outros, acho que a medicação que estou tomando tem me feito muito bem. Mesmo nos dias que não estou muito disposto ainda consigo estudar ou ler um pouco, quase nunca ficando no ócio completo, como estava algum tempo atrás, tão chateado e tão desgostoso com tudo que sequer levantava, comia ou fazia mais do que ouvir música acompanhada do barulho do ventilador tentando amenizar o calor desagradável do centro-oeste, que piorou ainda mais com as queimadas gigantescas do pantanal, não muito distante daqui. 

Gosto ainda dos momentos de intelecção, de silêncio e de sonhos, momentos em que costumo compreender melhor o que ouvi nas aulas ou li nos livros. É quando as palavras daqueles que viveram antes de mim se encontram com meu ser, não sendo mais apenas palavras mas vivenciando-as criativamente, de modo a participar da mesma experiência real que eles tiveram um dia. 

É quando me deito, sinto o vento nos meus pés e nas minhas costas, e penso no que há embaixo de mim: um planeta inteiro, milhares e milhares de um terra sólida, onde pisam e repousam um número inabarcável de coisas, pessoas, animais. Penso nas estrelas, o quanto apenas arranhamos a superfície de um planeta minúsculo na vastidão de um universo que só podemos sonhar em conhecer. Isso me dá uma pequena noção de quem sou, como sou e onde estou. 

O tempo passa devagar, e isso me incomoda em alguns aspectos. Olho na tela do celular quando acordo, mais tarde ao findar a aula, um pouco tonto com tantas referências, tantos nomes, tantos pensamentos . Olho novamente quando acordo depois do sono, olho quando paro de ler, olho depois do banho, antes de dormir. E cada vez que olho pro relógio da tela eu sinto que meu tempo diminui. Ainda que possa chegar a viver 70 ou 80 anos, ainda assim diminui, de uma forma de outra o tempo um dia vai acabar, e não sei se estou pronto pra encarar o que vem depois. 

Não exito em encarar uma nova leitura, não exito em assistir aulas de várias horas direto, ainda que seja demais pra mente de qualquer um. Mas exito em tomar uma decisão que pode mudar os rumos do que vivo atualmente, ainda que sejam simples como dizer a verdade ou esclarecer algo que ainda se esconde no meio da névoa do comodismo. Fico parado reclamando, mas ainda não consegui dar um primeiro passo. Passos são sempre problemáticos não é mesmo? Não conheço bem aquela coragem daqueles que se jogam de cabeça em qualquer coisa, mesmo se arrependendo mais tarde. 

Por outro lado me orgulho muito de outras escolhas. Me orgulho de quando disse 'não' a tantas noites de festas, o quanto me poupei de pessoas falando alto e som tocando música ruim. Me orgulho de não ter encarado um grande número de relacionamentos sem sentido, me orgulho de ter dado tudo de mim, sabendo que fiz meu melhor, mesmo quando não tenham percebido ou dado algum valor. 

O avançar do relógio continua, no entanto, e eu ainda estou aqui, com as mãos suadas e o pensamento distante. Nos lábios um cantarolar baixinho, um sibilar de algo em latim distante ou uma balada, não sei bem. Penso num abraço, no meu riso, penso no que gostaria de comer mas tenho preguiça de preparar, penso onde gostaria de visitar, penso no quanto poderia ter dormido e não dormi, nas conversas banais que poderia ter evitado e aproveitado melhor o tempo. E penso, em muitas coisas, a maioria delas não podendo ser descrita pois não conheço palavras o bastante pra expressar. 

E mais um dia já vai terminando. O sol começa a ficar brando, daqui a pouco uma brisa mais fresca pode aliviar um pouco mais, quem sabe até mesmo não esfrie mais tarde? Não custa sonhar. 

Um comentário:

  1. Você sempre me deixa orgulhoso. Parabéns por ser quem você é.

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