quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Gotas de suor

É estranho pensar em si mesmo e, mesmo que consiga enumerar algumas parcas qualidades, não encontrar nada que lhe agrade realmente, nada que faça de você alguém admirável ou digno de qualquer elogio, por mais modesto que seja. 

É olhar-se no espelho e automaticamente enumerar uma infindável lista de coisas que gostaria de mudar, e que nem mesmo o mais habilidoso time de cirurgiões e profissionais da beleza poderia consertar. Desde o cabelo negro e grosso até o rosto macilento e poroso, não há nada que me agrade, não há nada que não poderia ser atirado ao lixo sem nem mesmo um instante de ponderação. 

Acompanhada de decepção vem ainda o ódio de si mesmo, o sentimento da mais absoluta insuficiência, a certeza de que a vida nunca será mais branda e tranquila, e que nunca gozará das doces sombras, senão que terei as costas escurecidas pela violenta luz do sol, que me arranca suspiros inconformados e grossas gotas de suor escorrendo pelo rosto, como se os raios de sol fossem uma platéia zombeteira, a cuspir-me a face. 

A coisa fica ainda pior quando a lista se dá não frente ao espelho mas em comparação com outrem. Não raramente ostentam um belo sorriso, cabelos lisos e sedosos, a pele clara e uniforme, até mesmo quando cansados e suados ainda parecem ter saído das páginas de um editorial de moda. A esses o destino sorriu com doçura, a mim o destino depositou seu desagrado.

São pessoas que vivem em grandes casas, decoradas pelos melhores, que frequentam os mais belos e luxuosos restaurantes e compram nas maiores lojas. São pessoas que riem e sorriem porque para elas o destino sorriu. 

Sei bem que o dinheiro e a beleza não são garantias de uma vida perfeita, mas se a pequenez também não o é que problema há em desejar tais bens? Decerto a vida poderia ser mais fácil se pudesse ser compartilhada de interessantes momentos com os amigos e seguidores. Mas para nós o mundo não merece ser visto, todos querem fingir que ele nem sequer existe, a vida virtual parece ainda pior quando comparada com a virtual alegria dos outros. Decerto que dormir numa cama num belo quarto deve ser melhor do que viver atravancando entre móveis e parentes numa realidade empoeirada e barulhenta, onde o pensamento não vê outra saída senão em fugir para longe, tão longe que sequer pode-se imaginar ao olhar para a linha do horizonte onde o sol se põe. 

Mas para alguns o destino não sorriu, alguns a espada caiu precisamente para matar, cortando a carne e quebrando os ossos com violência. Assim é a vida desses não bem aventurados. 

Parece-me um discurso invejoso, e talvez o seja, não pretendo fazer as vezes de meu próprio juiz. Mas também não convido qualquer um a me julgar. Antes disso, convido-o a olhar-se no espelho e pensar se o que vê lhe agrada realmente. Se a resposta for sim, fico feliz, que assim o seja mas, se não o for, talvez compreenda um pouco do que disse, talvez faça parte do número dos menos afortunados como eu. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário