quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Ensimesmado

Hoje eu não estou com vontade de ver ninguém, hoje prefiro ficar sozinho no meu quarto, ignorando tudo e todos ao meu redor. Hoje acordei não com os raios de sol no rosto, mas com um gosto de vômito na boca, refletindo o que de mais profundo sinto pelo lugar em que vivo, por aquilo que sou obrigado a vivenciar. Esse ambiente me causa repugnância, e essa frase já se marcou em mim, pois é só o que consigo pensar, desde o momento em que abro os olhos até o instante em que me deito. 

Não suporto mais ver que as minhas conversas mais elevadas não passam de dizeres banais, e que tudo o que digo não é mais do que palavras lançadas ao vento. Não suporto mais ser esmagado pelas paredes, olhar pela janela e ao invés do mundo ver os tijolos sujos pelo tempo do muro do vizinho. Não suporto mais olhar para o céu e ver um emaranhado nojento de fios se contrapondo ao azul. Não suporto mais a mentalidade pequena, o sertanejo e o funk nas plataformas, o caminhar sob o sol quente, as risadas altas de quem não sabe que vivemos no fim do mundo, os carros abafados e os pés sujos de terra eu não suporto mais.

Não suporto mais ver o quão estou preso numa sociedade de miseráveis, e ver o quanto dessa sociedade de imorais há em mim. Não suporto mais conviver com a absoluta falta de virtudes, daqueles que vivem como se elas não fossem mais do que palavras de uma realidade que sequer existiu um dia. Não suporto mais viver num mundo que desconhece-se, fechado, ensimesmado.  

É por isso que prefiro não ver ninguém, não me restou esperança suficiente para conseguir enxergar algo de bom aqui, não me restou sequer a vontade de fugir e correr para outro lugar, só o que me restou foi um último suspiro, expresso em palavras que, no entanto, só revelam a onda desesperadora que me afoga num oceano de mediocridade institucionalizada. Não tenho mais como andar por aí e continuar vendo esse mundo como se não fosse a coisa mais horrenda que se pode haver, como se já não estivéssemos no limiar da bestialidade, vivendo como animais em pequenas tocas de barro erguidas nos barrancos e, pior ainda, acreditando que isso é vida de verdade. Não consigo mais. 

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