terça-feira, 29 de setembro de 2020

Por causa de um parágrafo

Tem dias em que acho que chorar é uma das coisas mais libertadoras, como se livrar por meio das lágrimas do amargor ou de algum peso que possa haver aqui dentro. Em outros dias eu me sinto apenas vulnerável, fraco, impotente diante de algo tão grande quanto um tsunami. 

As lágrimas de hoje vieram quando menos esperava. Eu lia um livro, e um dos personagens justificava sua saída repentina da vida dos amigos com a perspectiva de que eles um dia o abandonariam. Antecipando a separação ele decidiu sumir por conta própria.

Eu me identifiquei com isso tão profundamente que engasguei na mesma hora. Uma lágrima escorreu. Uma imagem apareceu na minha cabeça. Eu dei um estranho sorriso estranho, numa careta mesclando a ironia e o pesar. Um retrato da loucura. 

Me senti, uma vez mais, impotente frente a qualquer grande mudança. Senti que minha sinceridade não serve para nada, que o sentimento mais puro não é capaz de nada. Aquela concepção platônica dos iguais, parece só existir numa possibilidade distante, um utopia imaginada pelo filósofo. Não é uma realidade e, se o for de algum modo, não é a minha realidade.

Sempre fui sincero quanto a tudo que sinto. Minha veia melancólica me faz demonstrar com clareza o carinho, o desejo, a alegria e a tristeza. Qualquer um sabe dizer como me sinto apenas olhando no meu rosto. Mas isso não é bem verdade, o exterior pode realmente expressar algo do que se passa no interior, mas apenas é uma conchinha com água num oceano inteiro de sentimentos, a esses ninguém tem acesso. 

Eu tinha a ideia boba e imatura de que quando dissesse algo com sinceridade isso teria algum tipo de poder, como se a verdade transformasse as coisas em realidade. Era um erro, um grande erro. Por mais sinceros que sejam meus sentimentos eles ainda estão e ficarão apenas no mundo das ideias, mas não das ideias perfeitas, mas daquelas fruto da minha mente distorcida por uma carência, por uma necessidade inexplicável que, por mais que tente, nunca consigo identificar qual a sua razão. 

Eu já quis partir, como Jonathan em Uma Casa no Fim do Mundo, partir para antecipar por minha própria conta o abandono que viria no futuro. Já quis, e admito que penso nisso todos os dias, ir para longe e recomeçar se nenhum vestígio do que vivo aqui. Talvez até mesmo conseguir construir uma nova personalidade, alguém que não se entregue tão facilmente, alguém que não seja tão dependente. Mas ironicamente eu sou dependente demais até para tomar uma decisão dessa. 

Estava ali, sentado no sofá vermelho da sala, tentando ignorar as vozes da novela e as imagens que surgiam teimosamente. Não notei antes de sentir os olhos umedecerem, me fazendo entender com mais profundidade o que acabei de dizer. 

Tentei me distrair preparando algo pra comer, um chilli, na expectativa que o sabor forte pudesse me tirar do torpor que esses pensamentos me trouxeram. É, foi uma boa tentativa, mas enquanto estava ali, comendo e ouvindo o crec crec dos nachos eu me senti ainda mais sozinho. Não era aquela solidão de que falei uns dias atrás, a solitude, mas solidão mesmo, no sentido mais solitário da palavra, como se soubesse que vou comer assim, sozinho, pelo resto dos meus dias. É uma expectativa um tanto quanto dramática não é? Infelizmente não consigo pensar de outra maneira. 

Me lembro que a última coisa que fiz ontem antes de dormir foi cantar aquele trechinho da música:

E na vida a gente tem que entender

Que um nasce pra sofrer

Enquanto o outro ri

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