domingo, 23 de maio de 2021

Ária

Eu me odeio nesses dias em que sou tomado de súbito pela carência, odeio o quanto fico vulnerável, odeio me sentir incompleto, como se alguém fosse justamente a parte que falta em mim, odeio me sentir insuficiente, e odeio como o vazio do meu quarto e da minha cama gritam exatamente isso: que eu sou insuficiente, que eu nunca serei o bastante para ter alguém comigo, nem mesmo uma simples companhia para deitar ao meu lado e ouvir uma música, ou contar algum aleatoriedade. 

Lembro bem que, há pouco mais de um anos, meus amigos mais chegados se revoltaram ao ler que, mesmo com eles ao meu lado, eu ainda me sentia sozinho no mundo. Pois bem, acontece que o tipo de companhia que eu almejo não é a mesma que se obtêm numa amizade, ainda que não acreditem nisso, ainda que pensem o contrário. A companhia que almejo é a da alma, aquela capaz de tapar esse imenso vazio, de completar de algum modo a imperfeição fundamental que há no âmago do meu ser. 

Por isso eu me sinto tão sozinho aqui no meu quarto escuro, com a voz solitária de alguma cantora de ópera cantando uma triste ária ao fundo, quanto numa festa, rodeado de amigos, sorrindo e brincando ao som de algo mais animado. A diferença é que aqui a solidão se manifesta de modo quase palpável, doendo no meu corpo, ela é a minha única companheira inseparável e ela, só ela, está ao meu lado ouvindo essa música, esse lamento barroco repleto de sentimentos, assim como o violino faz companhia a voz da cantoria solitária. 

É horrível sentir-se só o tempo todo, e ainda pior nesses momentos em que a dor da solidão prostra o homem completamente, marcando a fogo cada fibra de seu ser, macerando seu coração até extrair a última gota refinada de agonia que escapa dos olhos como uma última súplica aos céus: oh, até quando viverei a solidão? 

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