segunda-feira, 10 de maio de 2021

Céu Azul

Noite fria e você sozinho, de novo. Inveja da voz, do talento, da companhia. Inveja do que não pode ter, do que não pode ser.

Talvez a sua missão seja observar o céu estrelado, o movimento dos astros, mas sozinho. Do alto de uma ravina o vento bate no seu rosto e faz seu cabelo farfalhar como as folhas das açucenas. 

O bater dos sinos ao longe cessou. A montanha continua intacta no mesmo lugar pelos séculos. Algumas coisas nunca mudam, outras demoram tanto a mudar que uma vida humana é incapaz de perceber a mais sutil transformação. 

Assim como você não avança, apesar de estar sempre andando você está andando em círculos, como um macaco na palma da mão de Buda, você não segue em frente, apenas dá continuidade a toda da fortuna, ao círculo infernal de renascimento de cada dia, essa samsara que te aprisionou como um ouroboros

Talvez você só devesse olhar as estrelas, sem querer voar próximo delas e sem querer a companhia delas. Apenas olhe, para as estrelas.

O dia, no entanto, não é mais claro do que a noite, e os pesadelos também aparecem enquanto os olhos permanecem vigilantes. Ele partiu, se foi bem de frente a você, e te deixou sozinho, seu mundo a desmoronar. Explodiu os próprios miolos, despedaçou seu coração, destruiu a si mesmo e a você também. Deixou apenas no chão as marcas do sangue enegrecido e no seu corpo a lembrança daquele abraço forte, das mãos que o conduziam por aí, do beijo apaixonado da única noite em que passaram juntos.

Você não aguenta mais, já chegou no seu limite e nem sabe por qual razão continua tentando, nem sabe por qual motivo você continua lutando, conversando, tentando resolver todos os problemas sendo que você está aos trapos, frangalhos, um arremedo de ser humano, uma casca vazia. 

E talvez esse pesadelo seja ainda pior que o da noite, pois tem o poder de escurecer o próprio sol, de levar o horror da escuridão ao dia mais claro. O corpo se contorce de medo, de saudade, de desejo, e ele, você, simplesmente olha para cima tentando enxergar mais uma vez o céu azul, a luz do sol, que era o que via cada vez que olhava para os olhos dele, mas agora, tudo o que você é a mais completa escuridão.

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