quinta-feira, 6 de maio de 2021

Fugindo

O nojo era tudo que eu conseguia sentir enquanto voltava pra casa, torcendo para que o vento frio tirasse aquele cheiro horroroso do meu corpo, era como se aquilo tivesse se impregnado em mim, eu ainda tremia, e andava rápido como se sentisse que ele estivesse atrás de mim, mesmo tendo me virado várias vezes para ter certeza que o que me perseguia não era outra coisa senão meus próprios pensamentos. 

Estava assistindo um filme quando um desconhecido me mandou mensagem, um convite nada discreto num aplicativo destinado a convites nada discretos. Bom, os últimos dias têm sido especialmente cheios, tenho me encontrado no limite da paciência e da disposição, sem me dar muito bem com a medicação que o psiquiatra passou na última consulta e tentando ainda elaborar alguns fatos novos que não digeri muito bem. Mesmo que estivesse com preguiça, na verdade total indisposição, e minha libido tenha sido podada ao mínimo, achei que algum contato com alguém poderia me animar um pouco. 

Tomei um banho rápido e combinei de me encontrar com ele na frente de sua casa. Desci rápido algumas ruas, passando por alguns bares que já encerravam o expediente. Continuava desanimado, mas algo me fez ir mesmo assim. Dessa vez não fora motivado pelo tesão, apenas pela vontade de sentir alguma coisa, de me fazer despertar daquele torpor, daquela anestesia que não me permitia sentir nada além das dores espalhadas pelo meu corpo, mas a mente vazia, ao mesmo tempo conturbada.

Percebi que tinha sido uma péssima ideia assim que vi a silhueta dele, encostado num portão de ferro, escondido na escuridão da noite, longe da luz da rua. 

Subimos depois de um cumprimento tímido, ele me disse que podia ficar à vontade no quarto grande, com uma porta que dava pra rua, de onde podia ver um terreno vazio de frente pro prédio, a luz amarela do poste em cima das folhas do mato que não deve ser cortado há vários meses. Mas eu não queria estar ali, e não devo ter conseguido disfarçar em nada a minha cara de descontentamento ao me sentar sem jeito na cama, tentando me concentrar em algo que não fosse o cheiro forte de cigarro vindo daquela pessoa asquerosa na minha frente. 

Ele começou a me beijar e eu tentei retribuir, fechando os olhos e mentalizando qualquer outra pessoa, mas o cheiro era forte demais e logo me subiu uma ânsia, uma ojeriza crescente que, num ímpeto me fez afastar. Queria ir embora naquele momento, sair correndo dali. Enquanto ele tirava a roupa eu tentava me concentrar em outra coisa mais uma vez, mas não conseguia tirar aquela impressão do meu corpo, aquele gosto dos meus lábios, o cheiro cada vez mais forte quando ele se aproximava pra me beijar. 

Longo me afastai de novo, e tremi quando pensei que ele poderia ficar violento quando percebesse que não iria acontecer nada. Tive medo de colocar o casaco novamente e ficar sem visão por um ou dois segundos. Mas ele só se levantou e abriu a porta, eu me segurando com força no corrimão, ainda com um milhão de pensamentos passando rapidamente. 

Quando finalmente cheguei a rua eu andei rápido, olhei para trás uma duas vezes e, quando tive a certeza de não estar sendo seguido tentei correr para que aquele cheiro saísse de mim conforme transpirava ou algo do tipo. 

Joguei a roupa de qualquer jeito quando cheguei em casa, com nojo delas também mas, principalmente, com nojo de mim por ter saído, por tê-lo encontrado, por ter me sujeitado a tamanha humilhação para me sentir menos sozinho, menos vazio. E só conseguia me arrepender daquela decisão, só conseguia sentir ainda aquele cheiro repulsivo no meu corpo, aquele gosto amargo na minha boca, uma memória que, ao que parece, vai demorar a desaparecer. 

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