segunda-feira, 17 de maio de 2021

Vislumbre

Já começo a lidar com as primeiras consequências da minha decisão me afastar da pastoral, tomada após muita reflexão nos últimos dias. Já distribuí avisos, como se minha saída fosse algo extremamente importante e as pessoas fossem sentir minha falta de verdade e não apenas o desconforto de não poderem mais jogar um monte de coisas nas minhas costas. De qualquer modo eu gosto muito do que faço, e me dói pensar em deixar, mas me dói mais ainda pensar em continuar levando essa situação adiante. 

Por um lado sinto uma crescente ansiedade, que eu vou precisar administrar nessa reta final, já que alguns compromissos importantes estão marcados e ainda tem algumas coisas que preciso resolver, como lidar com a costureira que não me entregou as vestes dos coroinhas ainda e o medo que tenho de que ela não dê conta de fazer a tempo. Também sinto já algo como um certo alívio, em não precisar pensar em nada para além dessa data. Minha vida sempre foi de constante pensamento no futuro. Já começava o ano pensando na quaresma, começava a quaresma pensando na semana santa, as primeiras semanas da páscoa pensando na festa da padroeira e daí em diante, eu sempre estava ocupado preparando algo. Quando a data se aproximava as pessoas se assustava duas vezes: uma porque não tinham ideia de que as coisas acontecem sucessivamente e obrigatoriamente todos os anos, como se fossem assistentes passivos e não agentes ativos desatentos demais pra saber de suas próprias obrigações, e outra por verem que eu já tinha ideias prontas para serem colocadas em prática, fruto de uma obsessão pela perfeição e por uma ansiedade que me impedia de relaxar igual a eles. 

O que me espera agora é o charme de alguns meses vivendo em dopada candura, sendo alimentado periodicamente por comprimidos brancos e gotinhas azedas que, depois de trinta ou quarenta minutos, me fazem ter doces delírios de alegria antes de me fazerem adormecer profundamente, sem direito a sequer sonhar. Talvez a minha depressão diminua e eu consiga voltar, lentamente, e assumir algo de novo, ou talvez eu tenha de viver um pouco, me sentindo livre dessa corrente depressiva constante que fora amarrada aos meus ossos e posta ao redor do meu corpo, antes de conseguir encarar de novo uma responsabilidade de frente. 

É claro que meus dias precisarão ser preenchidos de algo, como hoje, em que depois de uma aula e de algumas horas de sono eu me absorto em tédio e, devo dizer, tesão acumulado, mas sei bem que é só um efeito colateral dos remédios que tentam me afastar da névoa depressiva injetando no meu corpo algum ânimo, e eu bem sei também que este se esvairia na primeira tentativa, não restando outra opção além de ler ou ocupar a minha cabeça com séries e vídeos na internet, já um pouco melhor daquele abismo em me encontrava quando, ao contrário de hoje que vislumbro um futuro incerto porém um pouco mais claro, tudo o que via era a noite escura e vazia de uma vida sem sentido que, no entanto, me obrigava a lutar constantemente. 

Justamente esse cansaço advindo de tantas lutas, que me fez pedir por um tempo sozinho, um tempo pra tentar conseguir equilibrar um pouco meu organismo depois de tantos anos de ansiedade e depressão, depois de tanta coisa, passando por cima de tudo sem conseguir lidar da melhor forma possível, ignorando e esperando passar sozinha, e funcionando pela simples aglutinação de problemas, deixando que eles se acumulassem no fundo da minha alma e se agitando periodicamente, conforme as águas se tornassem revoltas lá em cima. 

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