quinta-feira, 20 de maio de 2021

Resenha - A Caminho do Céu (Move To Heaven)

Contém SPOILERS, prossiga por sua conta e risco!

Um dos objetivos mais bonitos da arte, sem sombra de dúvidas, é a forma como ela nos aproxima das experiências humanas que não poderíamos viver por nós mesmos, fazendo com que tenhamos uma visão melhor, cada vez mais abrangente do possível e, assim, nos tornando pessoas mais capazes de lidar com aquelas experiências que somos obrigados a lidar. Dentre todas a experiência comum a todos, que mais cedo ou mais tarde se apresenta sem exceção, é a perspectiva da morte, e o impacto dela sobre a vida dos que tem contato com ela é modificada de uma vez por todas. 

Move To Heaven conta a história de Han Geu-ru, um jovem com Síndrome de Asperger, que trabalha na Caminho do Céu como Auxiliar de Trauma, cuidando de separar os pertences de pessoas já falecidas e os entregar aos seus parentes quando, por algum motivo, a família não pode ou não quer fazê-lo. Inicialmente ele trabalha com seu pai mas, após o falecimento deste, ele precisa se adaptar ao estilo irreverente de seu tio, Sang-gu, que se torna seu guardião legal. 

O trabalho deles parece estranho, num primeiro momento, se livrar de tantas coisas que alguém acumula em vida e escolher alguns objetos como lembrança. Geralmente uma tarefa difícil que, não raramente, as pessoas se recusam a fazer. Acontece que os objetos de uma pessoa fazem parte de sua história, e muitas vezes ajudam a contar essa mesma história, mesmo para aqueles de quem somos mais próximos. Logo começamos a entender a importância do que eles fazem: eles ajudam as pessoas a entenderem melhor aqueles que se foram e, dessa forma, conseguem ajudar no processo complicado que é o luto, algo que todos devem vivenciar em algum momento da vida. 

Acontece que nossa existência é repleta de ciclos, de rotinas, de sonhos, todos temos uma história. Quando alguém morre, muito embora aquela história seja interrompida, a dos que vivem ao seu redor continuam, e tanto a vida quanto a morte tem impacto naqueles que nos cercam. O serviço de auxílio de traumas ajuda as pessoas a compreenderem isso. 

Geu-ru (Tang Joon-sang) é jovem mas tem muita consciência da importância do seu trabalho, e o executa com zelo total. Por conta da Síndrome de Asperger (um estado do espectro autista que dificulta as pessoas a se adaptarem a diversas interações sociais mas que possui uma grande adaptação funcional e grande capacidade de ação em áreas específicas do saber) ele não é fácil de lidar, perde o controle das situações com frequência e pode irritar as pessoas ao seu redor, ou ficar irritado com alguma situação e acabar se machucando por isso. Após a morte do pai ele encara com muita seriedade o serviço, tomando a frente das solicitações feitas a empresa. Ele sempre termina um trabalho, não importando o quanto seja difícil, e sempre ensina as pessoas como é importante prestar atenção as histórias dos nosso entes mais próximos, mesmo que eles não queiram ou não entendam muito bem a razão disso. 

Sang-gu (Lee Je-hoon) é um ex-pugilista de rua e tio, praticamente desconhecido de Geu-ru, tendo um passado complicado envolvendo um antigo parceiro e também uma delicada relação familiar com Jeong-woo, seu irmão que o deixou como guardião de Geu-ru. Ele é esquentado, grosseiro e despreocupado, assustado com frequência pelos fantasmas do passado e agora precisa aprender a lidar com o sobrinho e ainda ajudar no trabalho do seu falecido irmão.

Pouco a pouco vamos entrando mais no passado, tanto dos clientes da Caminho do Céu quanto dos protagonistas, e a relação entre eles vai se estreitando. Sang-gu inconscientemente vai se tornando paternalista e desenvolvendo sentimentos pelo sobrinho, que é a única pessoa que restou de sua família, ao passo que Geu-ru também vai observando o esforço dele enquanto continua o trabalho do pai. 

Eles contam com a ajuda de algumas pessoas pelo caminho, especialmente da vizinha Na-mu (Hong Seung-hee) e melhor amiga de Geu-ru, que assume a responsabilidade de cuidar dele quando o tio parece ser tão displicente em seu trabalho. Ela implica com ele de início mas aos poucos vai ajudando-o a cumprir sua missão. 

Com o passar da rápida temporada nós nos apegamos facilmente a cada um dos casos, sempre delicados e envolvendo uma grande carga dramática, que foi muito bem dosada pra não se tornar um dramalhão mas ainda emocionar na medida em vários momentos. Lágrimas são inevitáveis, e a lição que elas trazem também. A reflexão acerca da morte, algo que muitas pessoas evitam a todo custo, se mostra como algo não romantizado, mas necessário ao crescimento humano, bem como do fortalecimento dos laços que temos com aqueles que amamos. 

A atuação de Tang Joon-sang é primorosa e ele trata o personagem com bastante delicadeza e habilidade, levando em consideração que Asperger afeta principalmente o contato social, algo que é extremamente importante para um ator, é de se impressionar que ele consiga interpretar tão bem alguém que tem uma personalidade necessariamente oposta as suas habilidades mais importantes como figura pública. Além disso ele é um fofo e é praticamente impossível não querer apertar as bochechas dele em todos os episódios. 

O desenvolvimento de Sang-gu também é incrível de assistir. Desde o começo ele parece ser bem mais do que aparenta e, conforme vamos entrando no mundo obscuro do seu passado, vamos entendendo melhor a sua atitude grosseira, como uma casca para se proteger dos que o cercam e proteger os que o cercam dele mesmo. 

Há um equilíbrio muito bom entre a apresentação dos casos atendidos pela empresa, o impacto disso nos protagonistas e a exploração do passado, o tecido da trama fica bem feito e as resoluções do roteiro não são óbvias e nem simplórias, se encaixando bem com a complexa trama das nossas vidas, surpreendendo, despertando sentimentos conflitantes como alegria, raiva, saudades, medo... Enfim, enriquecendo e aprimorando a forma como lidamos com as nossas próprias experiências, inclusive as mais difíceis, já que se aqueles que amamos fazem parte da nossa história eles continuam a existir, em nossos corações, mesmo depois da morte.

"Só porque você não vê não significa que não está ao seu lado. Enquanto você lembrar nunca vai desaparecer."

Nota: 10/10

Curiosidade: para aqueles que, assim como eu, gostam de Kpop, é grata a presença de rostos conhecidos, como Hongseok do Pentagon e Soo-young do Girls' Generation

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