segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Aforismos e Pequenas Poesias II

Anoiteceu mais uma vez e, com o cair do véu da escuridão, me vem aquela esperança, aquela vontade na realidade, de que eles venham e de tudo não tenha passado de um sonho. Mas não foi um sonho e o anoitecer de hoje significa que terei de suportar mais pesadelos. 

O medo me faz querer voltar atrás, mas a dor, esse sentimento de traição que ainda trago comigo, não me deixa fazer isso. E eu então espero aqui, pela solidão e pelo desespero que, logo mais, vai me dominar como a escuridão apagou a claridade do sol e inundou tudo de tristeza e desesperança. Eu não consigo voltar atrás, talvez por orgulho, mas também não quero ficar sozinho, mas parece-me que ficar sozinho é a minha condenação. Não é o que eu queria, eu queria que nada disso fosse necessário, eu queria não me sentir assim, mas cada vez que penso no assunto sinto uma raiva crescente no meu peito, e essa raiva transforma meu sangue em veneno, coisa que eu não sentia há muito tempo. 

Racionalmente não deveria me sentir assim, claro, a vida continua, ciclos chegam ao fim e novos recomeçam, mas dói, dói demais deixar uma amizade ir assim, como fumaça se perdendo ao vento por entre os dedos. É realmente uma grande dor, e olhar pro céu escuro, sem estrelas pois as luzes da cidade as ofuscaram, me faz sentir ainda pior, como se esse véu caísse sobre mim, me sufocando, me oprimindo como um grande peso de metal, ao ponto de me esmagar completamente. 

De hoje em diante as noites serão ainda mais difíceis, oficialmente cada vez mais solitárias, até que eu mergulhe lentamente na completa loucura e demência por causa do desespero que todas as noites vem me visitar. 

X

Fico me perguntando se deveria abandonar o orgulho, se deveria voltar atrás, mas aí toda uma miríade de sentimentos vêm a superfície e eu me perco em pensamentos. Queria poder me inspirar completamente nos escolásticos e buscar amizade apenas com aqueles que buscam as mesmas coisas e que têm os mesmos valores que eu, mas o medo da solidão me impede de fazer isso, e esse é um medo que eu não queria ter, queria poder seguir a nobre trilha intelectual e assim me satisfazer, sem maiores demandas, sem a necessidade da presença do outro abafando os gritos desesperados do meu interior ferido. É uma escolha complicada, demasiado pesada para minha mente distorcida pelo medo das noites escuras de pura aridez espiritual. 

X

Olhar para dentro de si causa medo
Vejo demônios que lutam para sair 
e monstros que desejam entrar
vejo uma floresta escura 
pululante de criaturas malignas

Olhar para dentro de mim
é contemplar um imenso abismo
sem fim, mais escuro que a noite
e ver que nas suas profundezas há coisas que
mesmo estando em mim eu ignoro

Há uma criança chorando, 
um jovem tentando se equilibrar
há uma sombra se aproximando
há uma voz se distanciando
e um lobo rodeando

X

Cada dia sinto mais o peso do vício, nos ansiolíticos, que desejo a todo momento para fugir cada vez mais e mais do mundo que me cerca. Ao adquirir consciência acordando já me sinto crescer a vontade de voltar a perder a consciência, e muitas vezes apenas fechar os olhos e me obrigar a dormir não é suficiente. Eu desejo o torpor que a morfina me dá, o silêncio profundo e acolhedor do sono benzodiazepínico, aquela escuridão perfeita que faz as horas voarem sem os monstros do mundo real, tão diferente da escuridão que me assusta com os monstros reais. 

X

O amanhecer não se dá como o acordar, preguiçosamente voltando a consciência, ainda meio lento pela dormição. O sol vem com toda a força e instaura um verdadeiro império infernal onde o calor faz até o concreto se partir em lascas, a brisa fresca quase sem força nenhuma soprando sobre os corpos que andam empurrados pelo calor, essa claridade maldita deixando tudo desconfortável demais para se conseguir simplesmente fugir. Odeio essa época do ano, porque não há como mudar o calor, assim como odeio as situações em que não temos o menor controle sobre elas, ficando então a mercê do deus sol, do destino e das fatalidades que ele traz. 

X

Não sei o que tem sido mais dolorido, e o que tem demorado mais, se são os dias infindáveis de tédio e calor ou as noites de solidão e pesadelos. Se, antes, o dia era como um refúgio de todo o terror noturno, agora é, antes disso, uma longa tortura. O tempo passa de modo preguiçoso, como se quisesse que sentíssemos na pele cada instante desse maldito calor, como se quisesse que cada pequeno raio de sol filho da puta penetrasse na nossa pele causando desconforto e uma vontade demente de se atirar de uma ponte num lago congelado. E tudo é maximizado pra incomodar: o barulho inconveniente dos vizinhos, a louça que se acumula na pia, o chão empoeirado e os móveis cobertos por uma camada de gordura como se eles mesmos transpirassem, e como se até a madeira se incomodasse com tanto calor. 

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