segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Dormir

Li num poema pela internet que morremos quando um vício é a melhor parte do nosso dia, ao que prontamente concordei já que, ultimamente, os únicos momentos em que me sinto não vivo, mas um pouco melhor, é quando desacordado, dopado, com a mente entorpecida de remédios, sem precisar encarar o tédio da realidade aqui fora. 

Aqueles pequenos comprimidos brancos e rosas, o seu efeito quando começa a turvar a visão e o tato, quando algumas coisas adquirem graça onde antes era cinza, eles têm sido meu único momento de alegria e o meu maior medo é o de ficar sem eles. Eu gosto quando a visão começa a titubear, e eu sinto que, se dormir, poderei ficar pra sempre ali, naquele mundo onírico, onde não há nada, nem dor e nem mudanças, nem retrocessos, nem o feio ou o imoral, só há o nada para qual retorna meu ser. É ali, naquele limbo existencial que eu consigo suportar o peso do ser. 

É uma fuga, evidentemente, mas o que há de errado nisso? Não sou um guerreiro, sou apenas alguém que caiu aqui por acaso e que agora sofre as consequências da indiferença do universo a minha existência. O sono profundo, que me faz perder o senso do tempo, me faz também esquecer as problemáticas de estar acordado, consciente de todos os problemas, de todas as obrigações, de todos os horrores. 

Por isso meu apego aquela pequena cartela de seres libertadores, de poções de torpor, de névoas comprimidas que tapam os abismos e encobrem o chão coberto de sangue, do meu sangue. 

Quando estou dormindo eu não preciso fingir que está tudo bem, não preciso responder mensagens, não preciso me incomodar com compromissos indesejados, relações infrutíferas, é apenas a delícia de não ser, um presente da indústria farmacêutica que só pode ter sido realmente inspirado por Hypnos ou Oneiros em pessoa. 

Seria isso uma romantização do vício? De certo modo sim, mas, comparado com a vida mesma acredito que um vício não é assim tão ruim se colocado do lado de todas as desgraças que podem acontecer. As coisas boas são fugidias, por outro lado, apenas acontecem de vez em quando, quando algo do indiferente universo acaba por satisfazer de algum modo o nosso desejo de prazer, no mais, é apenas uma mão de ferro que nos conduz a qualquer lugar, sem qualquer razão aparente. 

Gosto da forma que a luz passa pela cortina do meu quarto, dando ao local um tom verde amarelado, gosto dos sentidos irem aos poucos se esvaindo. Da pressão contrária que a cama exerce em meu corpo. Gosto como aqui parece o centro do mundo pra mim. Agora já se passou um dia inteiro que eu não precisei viver, e isso é maravilhoso. Agora as gotas de chuva me acordam lentamente, carinhosamente e isso é muito bom, não me lembro quando tive uma tranquilidade assim completamente sóbrio. A chuva vai ficando um pouquinho mais forte e o jazz que tocava acabou, só ficou essa doce sinfonia natural, a terra perfumando o ar, o doce beijo da brisa fresca. 

Minha única obrigação é a que tenho com o travesseiro e as cobertas, uma relação de simbiose onde elas mantém o calor que meu corpo emana, me mantendo também naquele mundo onde esse mundo não entra. Meu vício é meu melhor momento. E eu sei o que isso significa: que eu estou morrendo, pouco a pouco, a cada um desses momentos. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário