sábado, 30 de outubro de 2021

Despertar

Um outro ciclo se iniciou, e é tão estranho, sentir o meu corpo com energia de novo. Não importa quantas vezes as crises passem, a sensação é sempre estranhamente revigorante ver o meu corpo, que mais parece uma casca sem vida durante as crises, ganhar nova cor. É como se eu tomasse pra mim um novo temperamento, que deixasse de lado a melancolia e abraçasse o calor, o mesmo que eu não sentia mais. 

E eu consigo aproveitar, mesmo que um pouco, o barulho da chuva, o cheiro da terra molhada, as músicas ou até mesmo o silêncio. Ser tomado por uma inquietude que eu já nem me lembrava, será sempre assim? Cada crise que se vai um novo mundo que se abre, novas possibilidades, novas experiências e, até mesmo, um pouco de esperança. 

Sim, esperança. Uma pequena centelha se acendendo em meu peito, aquecendo em meio a noite escura, por causa de um olhar tímido, de um átimo de possibilidades, um instante tão ínfimo que nem parece ter realmente existido. E ele me acende, me faz crer que pode haver, senão ele, em algum lugar alguém para mim ou algum lugar a que eu pertença realmente. Será que eu poderia me atrever a...? Será que alguém como eu pode se dar ao luxo de voltar a sonhar? 

Dias como esse me fazem crer que sim, muito embora eu acredite que esses lampejos de sonhos, essas fagulhas de esperança, são mais uma oportunidade de vir a sofrer, mais uma chance de sentir a dor do abandono e da solidão. Por isso a parte que ainda me resta de bom senso me diz que é melhor manter uma distância saudável e desinteressada, não dar o primeiro passo, não tentar construir pontes, não tentar cruzar o rio irado. Deixar-me apenas curtir a brisa fresca, mas sem entrar na água, sem dar o passo que me pode conduzir ao abismo novamente. É melhor apenas correr pela praia, livre e feliz, aproveitando o que me resta de forças nos membros, que agora parece renovado, mas que eu sei que não vai durar para sempre. 

E, mais uma vez, é estranho me sentir assim, sem um grande peso, sem aquele vazio que consome... É, sem sombra de dúvidas uma boa sensação. E eu queria prolongar ela assim. Queria poder me sentir sempre eu mesmo, porque esse é outro diferencial. Nesses dias eu sinto que sou eu mesmo, que posso pensar por mim e consigo ver as coisas como elas realmente são, sem o véu da depressão anuviando minha visão. É como finalmente poder voltar a viver, depois de muito tempo adormecido. É isso, um despertar das trevas da depressão, de volta para as luzes de um dia ou dois um pouco mais tranquilo, sem carregar comigo todo o peso do pessimismo universal e do niilismo que habita o profundo da minha mente. 

É abrir os olhos depois da noite escura
é sentir o coração poder inflamar-se novamente
em ditosa ventura pelo poeta declamada
reacendendo a pequenina chama iridescente 

É estar vivo novamente
quem nos braços de Nyx adormecia
e da deusa cativo permanecia

Poder sentir meu respirar
controlar meu próprio corpo
a minha vontade de caminhar
e não simplesmente subsistir num grande oco

Tentar descrever é quase impossível
Pois a melancolia que lida com as palavras se foi
e aquela profunda experiência parece tão distante
como se tivesse sido vivido num outro eu

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