sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Retorno

Eu queria muito trazer algo alegre pra variar, mas os últimos acontecimentos me desestabilizaram de tal modo que não, infelizmente não vai ser dessa vez. 

Dois foram os acontecimentos: o primeiro deles foi a notícia, dessa vez certa, de que, por razões financeiras, eu vou ter de voltar a morar na minha antiga casa, de onde fiquei muito feliz em sair. E a outra foi uma foto que eu vi nas redes sociais, sobre a qual eu não quero me deter tanto assim mas que me atingiu, como o segundo golpe fatal do grande martelo da 6° Sinfonia de Mahler, antes da grande apoteose e morte do herói. 

As razões para eu não querer voltar pra lá são muitas: a casa é péssima, sem as mínimas condições de comportar uma família do tamanho da minha, além de que a presença do resto dos meus parentes na vizinhança (o que inclui a amante do meu pai) deixa tudo num clima de eterna rivalidade insuportável. Eu sou um amante da beleza, aquela deformidade arquitetônica, uma aberração de concreto e cal, disforme, os fios aparente gritando a completa inabilidade do construtor. 

Mas essa inabilidade resultou na minha derrocada. Uma música antiga dizia que uma cadeira não é uma casa, e uma casa não é um lar* e, aquele lugar, é tudo menos uma casa, tampouco seria um lar. Na verdade eu enxergo aquele lugar como meu túmulo. É como se eu, retornando ali, fosse definhar até a morte, assim como meus pais, que eu vejo definhando a cada dia sem que eu possa fazer muito a este respeito. E é desesperador. Saber que a cada dia suas forças diminuem e as minhas não aumentam; Por isso a sensação de que, se voltarmos aquele lugar, ali será nossa sepultura, definhando até o fim. 

Mas isso justificaria esse meu colapso? Acontece que, pra uma mente fragilizada, o retorno ao local onde vivi tantos traumas me apavora. É isso, não quero reviver aqueles traumas pois, no meu estado atual, eu não posso manter nem o mínimo do meu equilíbrio. Estarei cercado pelo feio, pela injustiça, pelas brigas, pelo horror das disputas egoístas. 

O outro acontecimento caiu sobre mim como o peso de um grande golpe, que me matou. Eu não queria ter visto, saber que estão felizes e que minha presença nada significou na vida deles. Isso é o que chamo de golpe mortal. E ele me derrubou até o profundo lamaçal, me sujando com a vergonha que sinto de mim mesmo por não ser suficiente. Eu não queria vê-los juntos e, se tivesse o poder de voltar no tempo, jamais teria apresentado uns aos outros, só pra que me abandonassem no final.

Esses dois golpes do martelo do destino me acertaram em cheio, me derrubaram ao chão imundo, chafurdando na lama, e eu fui envolto por névoa, por desencanto e desespero. Catatônico passei horas contemplando a vastidão do nada, com pensamentos terríveis, desejando os piores sofrimentos aqueles que me fizeram sofrer, e eu não queria ser assim, queria perdoar a traição, queria não sentir nada. Queria enfrentar tudo de cabeça erguida, como minha mãe queria que eu fizesse, mas eu não consigo, não consigo me desvencilhar da melancolia, desse torpor, e do horror que é imaginar retornar aquele nada.

É tudo como o Eterno Retorno de Nietzsche, vivendo sempre as mesmas coisas, as mesmas dores, os mesmos sofrimentos e, agora, retornando aquela terra maldita. Onde fui tão infeliz e onde, parece-me, serei novamente infeliz a tal ponto, como sugerem as imagens em minha cabeça, de que aquele será meu túmulo. E é por isso que eu, todos os dias, peço a Deus, que seja o último dia.

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Nota: *A musica referida é A House Is Not a Home, de Luther Vandross

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