sexta-feira, 8 de outubro de 2021

Um pouco de chuva, ou lágrimas

Não quero ficar acordado, mas mais uma vez os remédios não fazem efeito e eu sou obrigado a encarar a realidade. Sim, é isso mesmo, eu sou só um covarde que queria sumir e nunca mais encarar a realidade, um pária, alguém sem lugar no mundo. E por qual razão eu deveria ficar acordado? Se tudo o que vejo é decadência? Vejo conquistas e novas oportunidades na vida das pessoas e, enquanto isso, me vejo afundando cada vez mais num buraco sem fundo, não conquistas mas derrotas em cima de derrotas. Desemprego, não posso almejar completar as coleções que iniciei, não consigo sequer me atrever a sonhar, meus pais cada vez mais velhos e cansados de tudo, isso é toda a mediocridade em que estou submerso, como porcos chafurdando na lama nós nos reviramos de qualquer jeito numa existência patética, privada de dignidade, de beleza, de grandiosidade. Ficar acordado para quê? Para contar os centavos pra próxima consulta psiquiátrica que nem se sabe se vai surtir algum efeito? E a vida não parece ser muito mais do que isso. Desgraça seguida de desgraça. Alguns poucos com sorte o suficiente para ter uma percepção diferente disso mas, no geral, é apenas decadência. E a esperança é um artifício dos tolos, que se apegam na possibilidade de um futuro melhor apenas para ignorar, fugir, da verdade que se apresenta dura como ferro e mármore a sua frente: as coisas nunca vão melhorar, exceto para alguns, todos os outros terminarão seus dias beirando a miséria, longe do que poderia ser uma vida digna. E vida é uma vadia sem coração, uma condenação, um inferno por si só. Então, como infelizmente o suicídio é um pecado,  eu só queria fugir desse inferno inconsciente por uns três dias. 

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A chuva é apenas uma breve pausa no sofrimento diário que é o calor infernal dos meses de agosto, setembro e que já entram outubro adiante. Mas com ela também vem a melancolia, algo de reflexivo, como se o perfume da terra molhada despertasse em nossa memória afetiva aquelas coisinhas que estavam lá no fundo do baú de nossas mentes. Mas esse tempo também coincide com o simbolismo das lágrimas. Assim como eu choro ao escrever essas palavras o céu também parece chorar, lamentar-se por toda miséria que há debaixo de suas gotas. Ou ele se contenta com isso? Seria o universo masoquista a ponto de deleitar-se com nossa infelicidade. A este ponto já não duvido mais de nada. Apenas caminho, e penso se é possível me afogar em uma dessas poças de água, uma vez que já estou me afogando nas minhas próprias angústias, como se elas fossem um mar de águas impetuosas, já me afogo nas inúmeras constatações de minha incompetência. E logo as gotas cessam de cair. É irônico, uma vez mais o destino brincar com a esperança das pessoas, tolas, que ao primeiro chapinhar das gotas no telhado seco e nos vidros quentes pelo sol, pensar que as coisas iriam melhorar quando, na realidade, vão continuar ruins, se não piorarem ainda mais...

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Eu te amei, te amei de verdade, mais do que achei que seria capaz de amar novamente. Isso porque não era algo grandioso, no sentido de que movia minha vida ao redor disso, mas no sentido de que era fácil. Era fácil porque como nossa amizade veio antes eu não precisava fazer nada, simplesmente vinha naturalmente, e daí o sentimento nasceu, e permaneceu, natural. Mas eu não soube lidar quando vi que, não só meu sentimento era irrealizável como até mesmo a minha amizade já não significava nada pra você, e essa é uma constatação que me corta fazer, mas que precisa ser feita. E eu não posso mais voltar atrás, não seria capaz, é como a chuva que cai nesse momento, e que não pode voltar ao céu nesse mesmo instante. Só sei que eu amei, mas não foi suficiente, e agora acrescento mais nomes aquela lista de grandes amigos, a quem mais via, e quantos deles eu ainda verei todo dia e quantos já não verei mais. Dos meus defeitos, alguns serão sanados com o tempo, mesmo sendo o melhor que eu tinha a oferecer: minha capacidade de amar, que me foi tirada de mim. E quem diria, o homem mais apaixonado do mundo incapaz de amar por ter sido traído, machucado e esmagado. Agora não se derrama mais em lágrimas, mas apenas observa a chuva. 

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