quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Chuva e Poesia

Deve começar a chover em alguns instantes, o ar está abafado e os trovões se ouvem com frequência, o céu de azul acinzentado que mistura as nuvens pesadas com o entardecer, as primeiras gotas pesadas batendo nas folhas das plantas do quintal e na telha que dá para fora da janela do meu quarto. Foi um dia cansativo, horas esperando na clínica psiquiátrica pra voltar pra casa com um carregamento quase ilegal de antidepressivos. 

Mas, por algum motivo, mesmo sabendo que o que vem por aí é um temporal de primavera, pra aliviar um pouco o calor insuportável do centro-oeste e reestabelecer as centrais de captação hídrica, eu estou com um sentimento que, talvez, não tenha a ver com o clima mas com o meu coração. É que olhar esse céu cinza, ao invés de me inspirar numa doce melancolia, me trouxe uma estranha sensação premonitória do caos, como se algo ruim fosse acontecer. 

Talvez seja o efeito da minha abstinência de quase um dia dos meus remédios para dormir que está me deixando incomodado com o fato de estar consciente de minha posição retardatária nesse mundo mas algo realmente não vai bem e, no momento, a minhas percepção do simbolismo natural do céu nublado me deu hoje o sentir de algo ruim que se aproxima. 

Começou a chover, e como eu teimosamente me recuso a perder minha fonte de inspiração nesse momento insisto em ficar sentado mesmo sendo atingido por algumas gotas frias, e elas fazem um contraste interessante com a minha pele febril: estava tão preocupado instantes atrás que fui acometido de uma pequena alteração na temperatura corporal. 

Gosto de como a chuva permite tantas interpretações poéticas, desde a melancolia de uma tarde nublada até a violência dos raios e trovões, ou o caráter sombrio de um noite chuvosa que esconde mistérios e paixões, seus gritos e gemidos. Gosto do derramar-se, de como a água precipita-se sem rodeios do céu lançando-se ao chão, de como beija a terra e perfuma o ar, me lembra o derramar de mim mesmo, aquele amor incomensurável que tantas vezes eu devotei aos homens como que aos ídolos. Eu, que tantas vezes me derramei em corações fechados, como terra infértil. Eu, que tantas vezes me derramei em lágrimas, eu como a chuva, o destino imponente como raios e trovões. 

O mundo se derramando e eu aqui sonhando... Mas ele já tem um novo amor, o mundo se explodindo e eu aqui torcendo pra ele me salvar de mim. E ironicamente a minha cabeça deu uma volta completa e voltou justamente ao lugar onde eu não queria estar: pensando nele mais uma vez, mas é do profundo âmago que me questiono se ele sente minha falta ou me substituiu completamente em seu coração e suas noites. Uma pergunta cuja resposta eu já sei, mas prefiro não saber.

O que me resta então, já que agora já me derramei como a chuva, é derramar as lágrimas, enquanto ouço a sinfonia gloriosa, esse allegro maestoso, dos raios e trovões. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário