quinta-feira, 7 de outubro de 2021

Companheiro

"Eu vejo tudo perfeitamente; existem duas situações possíveis - pode-se fazer isso ou aquilo. Minha opinião honesta e meu conselho amigável é este: faça ou não faça - você vai lamentar ambas as escolhas.” (Søren Kierkegaard)

Talvez seja o momento de assumir uma outra virada na vida, uma daquelas em que mudamos nossa forma de ver o mundo ao nosso redor, e aceitar uma mudança abrupta, ainda que venha de um lugar inesperado. Talvez seja a hora de aceitar, de uma vez por todas, a solidão, aquela sorte de todos os espíritos excepcionais, como sendo a única realidade permanente na minha vida. Seja na companhia de muitos ou na escuridão do meu quarto a solidão é a minha única companheira inseparável. E é ao lado dela, de capa negra e eu de terno, que assisto ao enterro da minha última quimera, da quimera que criei em minha mente como se fosse perfeita, mas ela também se foi e a solidão, no entanto, continua impassível ao meu lado. 

É a figura de um homem alto, impávido colosso, magro e uma capa esvoaçante de um tecido fino, quase transparente e ele mesmo parece estar sumindo no ar, ao mesmo tempo que sua presença é mais real do que as pedras toscas que há sob nossos pés. Uma brisa fresca sopra sobre nós, o cheiro da terra revolvida se levanta junto com um aroma de morte que vem do meu companheiro. Talvez seja a hora de aceitar que ele, e apenas ele, estará ao meu lado pra sempre. 

Não faz diferença, então, se eu me humilhar e voltar atrás ou continuar e ficar sozinho. Ambas situações terá como resultado a solidão, ambas terminará comigo sozinho, ainda que às vezes rodeado de pessoas. Então não há razão para me esforçar ainda mais, para correr atrás do que já foi perdido, para impedir que um prédio já demolido se caia. Não há como consertar um cristal quebrado. 

Um coro entoa "It all returns to nothing, It all comes tumbling down" como se fosse o coro de toda cristandade, mas aqui é toda humanidade que caminha para seu fim, e uma orquestra psicodélica me faz ter a ideia de que já se abriram os portões de Guf e que as almas estão se dirigindo para lá. É o fim, mas também é um recomeço. Não faz diferença, no entanto, pois enquanto um ciclo se acaba outro início se dá, automaticamente, com novas possibilidades abertas, um novo futuro. A chuva fininha, que nem molhou o chão direito mas já perfumou o ar com o cheiro de terra molhada é prova disso: ao fim da temporada da seca vem um pouco de alívio, para dar início a outra seca logo mais. 

"Tornei-me opróbrio para todos os meus adversários, espanto para os meus vizinhos e horror para os meus conhecidos; os que me veem na rua fogem de mim." (Sl 31)

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