quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Conforto

Tantas obrigações, dormir apenas o essencial, nem muito e nem pouco, ingerir todos os nutrientes, beber água, cuidar da barba, cabelo, pele... Tudo tão difícil... Como pensar em fazer qualquer uma dessas coisas quando eu na realidade não queria nem mesmo sair da cama? Quando ficar parado esperando o tempo passar e torcendo pra eu não precisar fazer nada, pra nada vir perturbar o meu descanso porque meu corpo está exausto, simplesmente pelo fato de existir. Eu já nem sei que horas são ou em que dia estamos, o tempo eu conto pelas músicas que passam, muitas delas me trazendo lembranças ou apenas sentimentos distintos mas, na maior parte do tempo o que eu experimento é apenas um nada, um grande vazio e um grande cansaço, como se bolas de aço estivessem amarradas a mim me impedindo de levantar os braços ou dar um passo sequer. 

Pelo menos ouvir os temas de abertura de animes que assisti me fazem ter uma vaga lembrança de uma época que eu tinha energia pra fazer alguma coisa. Algumas cenas esparsas pululam na minha cabeça, ainda consigo cantar alguns trechos em inglês ou até japonês, e isso, esse passado, me faz pensar que um dia eu posso voltar a ser assim. Pelo menos preenchido dos valores e lições de histórias que vi, não apenas esse grande abismo escuro que há no meu peito agora. 

X

O homem tem um instinto territorialista engraçado, é como se tivesse medo de perder seu espaço e então agisse de modo a preservar o que é seu por direito. Me sinto assim ultimamente, na tentativa de me consagrar ainda mais como autoridade para não perder espaço e influência para um novo garoto que chegou. E é estranho sentir como se ele pudesse me substituir porque é mais do que simplesmente ocupar o lugar que, na minha cabeça, é meu por direito. 

É como se ele tivesse, em suas mãos de novato, o poder de desfazer os laços que criei para estabelecer o meu eu em relação a todos os outros. O faro de isso acontecer enquanto me afasto de um de meus amigos mais próximos coloca isso num patamar ainda mais elevado: o que faz de mim eu mesmo? São os laços que criei com aqueles que me rodeiam que definem quem eu sou!? Mas se isso é verdade esses laços podem ser desfeitos sem a perda do meu eu ou eles levam consigo o que definia meu eu? 

É bem mais do que território, tem relação com quem eu sou e o que eu faço pra definir meu eu, minha existência e como ela se relaciona com o outro. Uma questão complexa demais com perguntas que eu nem sei se sou capaz de responder. 

Está claro que minhas relações fazem parte da construção do meu eu, mas o fato de essas relações acabarem não desfaz o eu, senão que acrescenta nele um outro elemento, dessa vez de ruptura, mas que se soma, se assim se pode dizer, ao que antes fora de junção e crescimento. As pessoas trazem isso para perto de nós, elas chegam e somam e, depois de um tempo, partem e, de certo modo, somam e subtraem ao mesmo tempo. Somam com uma experiência a mais e subtraem a sua própria presença. Ao que me parece é algo próximo disso. 

Então mesmo partindo essas pessoas deixam algo em nós, e não desfazem o eu mas o refazem, em sua ausência dando um novo significado para sua presença ou ausência dela. Mas esse é um processo doloroso, como tudo que envolve o outro, num eterno dilema do ouriço, e é por isso que temos o instinto de proteger o que nos parece pertencer, por medo da dor que aquela perda pode causar, é um instinto natural de fugir da dor e buscar o prazer ou, pelo menos, a ausência de dor, um ponto de conforto. 

Conforto

Tem sido cada vez mais difícil achar um ponto de conforto. Meu psiquiatra receitou um relaxante muscular para me ajudar com as crises de pânico que eu tenho toda noite e, como um tipo de S.O.S também passou uma dose mínima de tarja preta, sem saber que eu já tomo dez vezes aquela quantidade para situações bem menos desesperadoras que uma crise de pânico real. Ou seriam minhas crises existenciais ainda mais desesperadoras e, por isso mesmo, é que eu fujo delas com tanta força? 

Parece que essas crises, e a atual depressão inclusa, parece estar acabando com meu eu. Ou melhor, já acabou, restando restos de um eu, a carcaça de uma fera que um dia gritou Eu no coração do mundo. Uma fera cujo rugido só afasta as pessoas que ela mais ama. Como encontrar no meio disso tudo algum conforto? 

Tenho buscado ficar cada vez menos sozinho, admitindo o que uma vez eu condenei: o medo do que pode se revelar na solidão. E mesmo assim tenho apreciado cada vez mais a solidão, ainda que seja nela que eu encontre meus maiores medos. É confortável mas, ao mesmo tempo, é um ambiente inóspito demais para sobreviver, e isso é tudo que eu posso fazer aqui: sobreviver. 

3 comentários:

  1. Meu nome é Sérgio.
    Cheguei aqui por acaso: comecei a assistir um dorama Bl, fiquei na dúvida se valeria a pena continuar, fui pesquisar, li tua resenha, favoritei tua página ao ler o que você escreveu hoje (14/10/21), e estou aqui.

    Não tenho nenhuma pretensão de poder te dar alguma coisa significativa. Gostaria de ter esse poder, mas sei que isso é só um desejo. No entanto confesso que gosto de acreditar que o fato de te dizer que "estou aqui" possa fazer alguma diferença.

    Presente!

    Vou voltar, outra hora.

    Do fundo do meu coração, espero que você supere logo tudo que te incomoda.
    Porque sempre pode acontecer dessas fases passarem. Não tenho a menor noção do grau de seriedade das coisas que te afligem, mas sempre há a possibilidade de tudo de ruim passar e o sol se abrir.
    Já vi muitas coisas nessa minha vida, já vivi céus e infernos e aprendi a não levar nada tão a sério, nem mesmo eu. E não é nem desilusão, nem desalento, nem descrença, sei lá. É mais uma certeza sobre tudo, sobre mim, a vida, a existência, a efemeridade de tudo. De vez em quando suo frio, quando me lembro desse fio-da-navalha. Então ligo o foda-se e sigo em frente, sem nunca renunciar a um certo sentimento bom que preservo, amor, bem lá dentro. Um sentimento que carrego, e que as vezes me iludo de que tem a ver com algo de fora de mim, como se amar fosse somente verbo transitivo, o que não é o caso. Amo, e só. Carrego amor dentro de mim, e posso direciona-lo a alguém, ou não. Desculpa a falação, estou querendo dizer apenas que carrego amor dentro de mim, e isso tem feito a diferença.
    Tenho 63 anos.

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    1. Oi, confesso que fiquei comovido ao ver seu comentário, sério mesmo. Parece que consegui me fazer entender mesmo sendo as minhas palavras tão limitadas. Obrigado por se fazer presente e por me oferecer um ponto de vista tão importante: o da experiência.

      Não sei se acredita nessas coisas mas é como se o universo dissesse pra mim não desistir do amor, mesmo que minhas experiências até o momento sejam negativas algo, lá no fundo, ainda me diz pra não desistir do amor. Obrigado, de coração!

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    2. Acredito sim. C.G. Yung dizia que o inconsciente é coletivo, todos os inconscientes de todas as pessoas estão, de alguma maneira, conectados.
      Eu li o que você escreveu e te respondi depois disso. Captei coisas nas entrelinhas, e deixei fluir meu verbo, como sempre faço. Que bom que te atingiu! Que bom que pude te dar algo, eu queria tanto isso...
      Você escreve muito bem, é um prazer ler. Mesmo quando o tom é sombrio, tua escrita é clara ao descrever essas sombras. Um prazer.

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