quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Em fragmentos


Todos estavam dormindo, não é comum que minha casa fique tanto tempo em silêncio porque nossos hábitos são muito distintos. Eu durmo tarde e às vezes perco o sonho e fico assistindo na sala, minha irmã passa a noite acordada e dorme o dia inteiro, então tem sempre movimento em algum lugar mas, essa noite, era tudo silêncio. 

Eu me levantei e sentei com os braços abraçando as pernas que tocavam meu peito. Abaixei a cabeça apoiando-a nas mãos enquanto ouvia um disco de jazz bem antigo, mas que deixava tudo com uma atmosfera leve, melancólica, aliada a luz azul que entrava pela janela discretamente. E ali eu me senti absolutamente sozinho, era noite e todos estavam dormindo, a cidade estava em completo silêncio e eu sentia apenas um grande vazio no peito. Apertava ainda mais os braços ao redor das pernas, e algumas lágrimas fluíram e naquele momento eu nem entendia direito o que estava acontecendo, só me sentia perdido, sozinho, sem forças para mudar.

Não é como se esperasse alguém, um namorado, que mudasse isso de um para outro com sua presença. É mais profundo que isso, é mais do que apenas carência, a qual é apenas sintoma e não causa desse vazio profundo e aterrador. É uma desesperança que se apossou de mim, uma completa falta de vontade de continuar a viver e a pensar. 

Novamente sobre as belas imagens dos belos homens que me sigo despertam em mim uma dupla reação: um admiração pela sua forma bela e encantadora e, ao mesmo tempo, inveja por uma vida de fama e reconhecimento. Me vejo desejando admirando a aprovação dos outros, não sabia que era tão vaidoso assim, mais um aspecto em mim que desprezo. Queria poder com verdade fazer das palavras de Sta. Terezinha a minha oração "Que eu nunca procure e nunca encontre senão a Ti. Que as criaturas não sejam nada para mim e que eu nada seja para elas mas que Tu, Jesus, sejas tudo... tudo!"

Fiquei me perguntando quais seriam os motivos para as coisas serem assim, dos motivos para me sentir tão sozinho e tão inútil. Eu olho tudo que já fiz, cursos, faculdades, amigos, pastoral, e tudo foi fracasso, eu nunca obtive sucesso em nada, nem mesmo uma simples rede social tem alguma visibilidade. Hoje eu pretendia fazer uma maquiagem inspirada no tema angelical da apresentação de um cantor que eu acompanho, mas ao ver o desempenho da minha última postagem eu desisti, não vale a pena o esforço. O que é uma pena, eu acho que ficaria interessante... 

Olhando então para tudo que fiz, e não foram poucas coisas, eu vejo que minha contribuição foi mínima e me pergunto se consegui pelo menos mudar um pouco a mim mesmo, e me entristeço em ver que continuo fraco e pecador, errado em todos os sentidos, incapaz de sentir esperança e desacreditado até do amor. 

Minha existência se resumiu a isso: viver um dia de cada vez sem planos, sem sonhos, buscando não dar possibilidades para novas decepções. Ah, estou farto de decepções como estou farto de príncipes, onde é que há gente de verdade na terra? 

Pensei em beber naquela madrugada, mas optei por dormir mesmo, mas acordei com o mesmo sentimento de impotência. E eu sei que repetir isso infinitas vezes não vai mudar nada, mas que posso mais dizer se é isso que meu coração diz? Meu coração desistiu. O que me resta é lamentar, e talvez cantar como naquela ária famosa: "Lascia ch'io pianga mia cruda sorte, e che sospiri la libertà", deixe que eu chore pela minha sorte e que suspire pela liberdade. 

E esse suspiro me faz distanciar de todo o resto, minhas lágrimas são como muros que ergui e que me separam do mundo ao meu redor. Eu já não consigo ficar mais de dois sem me dopar e dormir por horas e horas, não suporto o ócio, não suporto a ansiedade, o medo do desconhecido. Como uma criança assustada de joelhos ralados que se esconde na barra da saia da mãe eu me escondo no meu próprio sono para não obrigado a encarar o que é real, porque o medo de consome e a dor me infesta todo o ser. Enquanto todos vivem eu fujo e me escondo, tremendo, como se fugisse da aula pela porta dos fundos. Mesmo que chamem a atenção eu não ligo, esperar é perda de tempo para pessoas como eu. 

Preciso acordar, preciso despertar desse sono profundo, dessas amarras as quais eu mesmo me prendi, no fundo da caverna no reino de Oneiros. Mas não consigo, eu não tenho forças... Eu não quero ir embora mas também não quero ficar, eu quero desaparecer, eu quero desesperança, eu quero voltar ao nada, eu quero a morte! Mas eles não vão em deixar voltar ao nada...

Parece tudo que fiz foi um grande erro, minha vida não passa de uma imensa sucessão de erros e decisões equivocadas. Como posso me considerar um homem de estudos que, pretendendo compreender o mundo ao meu redor e nele me orientar, tomar tantas decisões erradas? Me velho estilhaçado, como um cristal que se quebrou e não há como consertar, me parti em inúmeros fragmentos que não podem mais ser um adorno em lugar algum. 

"Se me volto à direita e procuro, não encontro quem cuide de mim, e não tenho aonde fugir, não importa a ninguém a minha vida." (Sl 141)

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