quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Um qualquer

Dois dias atrás eu tomei remédio e dormi a tarde toda, e fui noite a dentro num sono profundo e reconfortante. Mas, diferentemente de alguns meses atrás, em que eu sentia uma necessidade real de me dopar e sumir por várias, agora eu simplesmente uso esse artifício para não ter que ficar acordado num momento de prolongado silêncio. Pode parecer uma diferença sutil, e de fato o é, mas antes eu fugia porque sentia uma necessidade urgente, porque ficar acordado era assustador demais, e me deixava inquieto, sem conseguir me concentrar em nada, e agora, é um pouco diferente, eu simples e deliberadamente tenho fugido. Quanto mais tempo longe do mundo para mim. 

É uma atitude covarde, admito. Com tanta coisa acontecendo, a necessidade de encontrar uma casa logo para que minha família se mude, os meus estudos um pouco estagnados, um cenário político que são oportunidade para compreender esses estudos, muita coisa acontecendo e eu sem conseguir absorver como gostaria. E então, quando terminam as aulas e meus olhos se cansam dos livros, eu me vejo sem opções, a mente cansada demais para ver alguma coisa, e então só penso em dormir. Mas esse sono não é mais aquela revigorante de antes, que me fazia acordar calmo depois da tempestade que se formava em minha mente em dias complicados, o sono agora é apenas um apagar e acordar com tudo igual, já não sinto mais prazer nenhum e, no entanto, continuo recorrendo a ele. 

Sei bem que isso é resultado de um vazio, um vazio que sinto bem no âmago do meu coração e que me assusta desde o meu primeiro pensamento, mas eu não sei como posso preencher esse vazio. Racionalmente eu diria a alguém que me perguntasse isso que esse seria um vazio do tamanho de Deus, mas eu venho tentado de todo modo, fazer com que esse vazio seja preenchido. Eu sinto apenas um imenso vazio, como uma Noite Escura, com a diferença que, não sendo santo, eu não posso passar por uma purificação tão elevada quando me encontro em estado tão baixo de graça. A única resposta plausível então é que isso é justamente resultado da minha falta de virtude, as minhas desordens me fazem cego diante da realidade e, onde deveria enxergar Deus eu vejo apenas o vazio. 

Penso que esse seja o véu, o véu da escuridão do pecado e da morte que me privam da luz que pode afugentar as minhas trevas. Eu sinto vontade de me desculpar, de perdoar, de fingir que nada aconteceu, mas ao mesmo tempo eu penso que, no âmbito geral, isso não mudaria nada, apenas confirmaria o mau que os outros fazem como se fosse bem. Mas agindo assim eu também me vejo como mau. Diante Dele eu me apresento com toda minha fraqueza, com meus desejos desordenados, e espero o perdão, pela misericórdia que eu sei que existe. E espero que ao contemplar essa misericórdia, eu me sinta finalmente completo.

Uma vez completo talvez eu não me culpe mais por não ser perfeito, nem mesmo bom o suficiente. Que eu não me culpe por não ter a pele clara e um cabelo perfeito, por não ser famoso, por não cativar os outros aos milhares por puro carisma e beleza... Por não me culpe por me sentir um ninguém. Um qualquer no meio da multidão, sem caminho a seguir, sem rumo tomar. Mesmo em meio a multidão de lanternas douradas eu ainda me sinto sozinho, como se caminhasse na chuva sem ser afetado pelo calor daquele belo ritual.

"Seguravam-me longe de ti as coisas que não existiriam senão em ti, estavas comigo e não eu contigo." (Santo Agostinho)

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