sábado, 13 de agosto de 2022

Trono

Foi uma noite longa e difícil, como há muito eu já não via. Pude sentir as minhas forças se exaurirem, desaparecerem do meu corpo como fumaça no ar, e fui deixado, sozinho e vazio, apenas com a dor a me assolar a carne até o tutano, com cada fibra do meu ser implorando para não ficar sozinho, ou que finalmente fosse me deixado partir. 

A cada vez que fechava os olhos era como se eu fosse lançado ao chão por uma força diferente, açoitado por algozes, perseguido, sufocado. Banhada ficou minha face, de pranto e vergonha a noite toda. Meus lamentos se prolongaram até o cair da madrugada, quando adormeci em profunda amargura. 

A solidão por vezes vem me fazer essa companhia, trazendo consigo seus chicotes para me ferir a carne, rasgando meu coração com seu punhal e arrancando-o pelas minhas costas, restando apenas uma casca vazia onde antes havia um quente pulsar. 

Feita então a oblação de meu coração libertou a já conhecida fera, sedenta por saciar seus apetites bestiais ela me dominou até que meu corpo se desfizesse e, desaparecendo os contornos do meu ser, esquecido quedei-me, o rosto frio como um cadáver. Não se via sinal de vida em mim. 

E até mesmo agora, se fecho os olhos só vejo os ecos de uma cidade abandonada, não há nem mesmo sangue que possa derramar nessas palavras. Eu nem sei o que posso dizer para explicar o vazio que sinto, deitado por horas, sem conseguir me mexer, sem vontade de nada, meu ser se encontra em ruínas que vão se tornando pó e desaparecendo com o vento. Tudo é vazio e silêncio. 

Tudo se foi, desaparecendo lentamente como o sol poente, ficando apenas a escuridão de uma noite que jamais há de se acabar, de um sofrimento silencioso que há de começar sempre numa samsara terrível onde tudo o que ouço é a risada maligna do demônio ao ver os meus restos se aproximarem lentamente de seu trono. 

As coisas parecem não ter solução, apenas o tempo pode dar conta disso, e é inútil pensar em problemas que não se pode resolver. Mas eu pelo menos consigo pensar numa forma de ficar em paz com isso. Se morresse, se desaparecesse não precisaria mais me preocupar, seria tudo mais simples, seria o fim desse ciclo interminável. Não tenho mais apego a minha vida, a mais nada e nem a ninguém, morrer agora seria nada mais que um alívio. 

Estou consciente do que essas palavras significam. Eu ignoro assim as palavras do Evangelho que ordenam "não vos preocupeis", e eu sei também da consequência que há ao tirar a própria vida. E minha alma imortal sabe disso, mas o meu corpo fraco e perecível não suporta mais. É isso que ele deseja. Não há mais nada a fazer. Não há razão para continuar insistindo. 

E tudo retorna ao nada.

Nenhum comentário:

Postar um comentário