sábado, 6 de agosto de 2022

Um momento, sombra e brisa


"Amar não é ficar olhando um para o outro mas olhar ambos para a mesma direção." 
(Antoine de Saint-Exupéry)

É uma bela tarde ensolarada e algumas crianças correm empinando pipas num céu azul brilhante e sem nuvens, os pais estão sentados num lençol conversando preguiçosamente enquanto os filhos brincam. Não muito longe dali há um parque de diversões e os gritos das pessoas são ouvidos quando os brinquedos se elevam ou caem numa velocidade maior. No geral é um tarde calma e colorida, algumas árvores ostentam, além de folhas de vários tons brilhantes de verde, flores amarelas e brancas.

Um casal de jovens está deitado embaixo da copa de uma grande árvore, e ali na sombra eles ficam o tempo todo quase em silêncio, às vezes fazendo um comentário aleatório e logo depois retornando ao sono. Um deles acaricia o cabelo do outro que está deitado sobre seu peito enquanto uma brisa leve lhes faz carinho nas faces. Embora esteja encobertos pela sombra da árvore e os pesados galhos que quase tocam o chão eles se escondem apenas do sol. 

O que está mais acordado se recorda de momentos que agora lhe parecem tão distantes que facilmente poderiam ter acontecido em outra vida. Agora sua única preocupação é não perderem o horário da sessão de cinema mas houve um tempo, com outra pessoa, em que ele não poderia estar ali daquele jeito. Se deitassem à sombra de uma árvore deveria ser a uma distância mínima, se caminhassem juntos os braços não podiam se tocar e se alguém passava perto deveria falar sobre algo técnico o suficiente para pensarem que são colegas de profissão. 

Agora, por outro lado, ele pode esperar pelo outro na frente da universidade, e ganhar um beijo antes de entrarem no carro e saírem para comer em algum lugar. Podem dar as mãos sem se preocupar se o outros, estranhos transeuntes que nunca mais os verão ou conhecidos da missa e do trabalho no shopping numa tarde de domingo, vão pensar se estão juntos: eles estão, e não há nenhuma razão para esconder isso. 

Eles podem usar suéteres combinando no inverno, tirar fotos com a decoração de luzes de Natal, beber numa roda de amigos sem que fiquem constrangidos quando perguntam algo mais íntimo. Não há o que esconder porque não é nada relevante o suficiente para os outros se importarem. O fato de eles namorarem já há mais de um ano é fato tão importante quanto a música desse bar ser melhor do que a do último em que eles foram, embora a cerveja seja um pouco mais cara. Com os amigos eles tiram algumas fotos, e depois sozinhos, um pouco alegres demais por causa da cerveja, e ninguém se incomoda se podem ou não postar, se podem ou não se expor daquele jeito, não há problema. 

Agora, ali embaixo daquela mangueira, ele pensa que é tudo tão simples, que segredos guardados com o tempo hoje são bobos, ninguém quer saber. Mas ele precisou esperar muito tempo para isso acontecer. Enquanto seus amigos já viviam coisas parecidas aos quinze, vinte anos, com várias pessoas, ele apenas observou, e esperou, não sem certa dose de impaciência claro, pelo seu momento. Pode parecer uma banalidade, andar de mãos dadas, deitar no colo, postar uma foto, mas para quem nunca teve essa oportunidade tudo isso é sinal de algo mais profundo, é sinal de um comprometimento, é sinal de que aquele vazio que sempre o aterrorizou foi um pouquinho preenchido, agora ele tem alguém com quem possa olhar o horizonte, o pôr do sol ou as açucenas. Mas isso depois dos trinta, quando todos estão com família formada ele ainda dá os primeiros passos, como se fosse o primeiro amor, o primeiro beijo.... 

Embora ele tenha ido pra cama com muitos homens sempre foi na escuridão velada, no silêncio, nunca ninguém podia saber porque todos tinham medo e ele era o único que queria poder ser ele mesmo, sem o peso de fingir indiferença, ou de fingir viver uma vida de mentira. 

O seu momento finalmente chegara e ali, deitado à sombra e rodeado de folhes e flores, como num jardim secreto, ele estava tranquilo, seu coração em paz embora ainda de amor em vivas ânsias inflamado. 

Mas ainda não é o momento para mim. 

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