sábado, 26 de agosto de 2017

Em virtude das traições

Uma vez mais a minha mente se vê inundada por uma miríade de pensamentos que, sendo de toda as formas e tamanhos, de todos os pesos e cores, se assemelham mais com uma torrente de detritos do que com a mente de uma pessoa. Será que todas as pessoas experimentam essa avalanche imparável de sentimentos que a todo momento transformam o tudo no nada, o bom no ruim, e a paz em guerra?

Queria saber se as outras pessoas também sentem-se como tudo fosse motivo de irritação para elas. Eu tento controlar a minha raiva, e conter a onda de ódio que ferve meu sangue quando alguém me provoca. E então quando percebo estou desejando os sofrimentos mais horríveis aqueles que deveriam ser os meus amigos mais chegados.

No entanto a existência de algumas pessoas tem de fato desafiado os limites da minha escassa paciência, não raramente tenho a impressão de que alguns se esforçam para me ver com raiva. Sei bem que isso se trata de uma percepção excessivamente negativa da realidade, motivada por um pessimismo generalizado, que por sua vez é fruto de sucessivas experiências negativas com as pessoas ditas amigas, amadas. Isso me faz questionar o verdadeiro lugar que elas ocupam na minha vida e aquele pedestal, que sempre fora ocupado por alguém de grande beleza, mas que nunca sentia nada por mim, agora se encontra vazio, pois ninguém é digno de ocupar aquele posto.

Quando as pessoas não se dão conta de seu verdadeiro lugar eu me irrito com elas, pois penso ser uma ofensa grave a ordem natural das coisas e portanto esses, que não seguem o curso de seus respectivos lugares, merecem serem extirpados da face da terra. Claro que não cabe a mim julgar quem deve ou não viver, mas a vontade de possuir esse poder é forte e latente em mim. Esse é o que se pode chamar de senso se justiça, e corresponde mais ou menos a ética de cada um.  Talvez por isso o pensar no outro como meu inimigo, por não partilhar da mesma noção de justiça que eu, tem se tornado tão comum. 

Me preocupo agora com os resultados que essa forma de pensar possa vir a ter em minha vida. Como todo exagero ela pode me trazer dor e sofrimento, e pode me fazer provocar essa mesma dor e sofrimento no outro. E não quero causar a dor, meu objetivo não é o sofrimento pelo sofrimento, mas apenas um mundo onde as pessoas conheçam e respeitem seus próprios limites e os limites do outro e que não violentem-se uns aos outros tentando fazer com que todos aceitem uma verdade pessoal. A única verdade a ser aceita é universal, uma que seja comum a todos os homens e que só não foi ainda acessada por culpa da consciência egoísta de cada pessoa, que inconscientemente tende a impor a sua forma de pensar nojenta e vil no próximo. Não desejo a dor pela dor, antes desejaria uma estrada que ensinasse os homens a serem verdadeiramente bons que não passasse pela dor, mas vejo que isso já não é mais possível.

É apenas através da dor que as pessoas poderão aprender a respeitar o outro, e apenas através das lágrimas elas poderão compreender a dor que o outro sente, sentindo elas mesmas na pele, o que causaram na alma e no coração de seus iguais. Digo pois estou cansado de sofrer, cansado de deixar que os outros me façam sofrer dessa forma, talvez já seja hora de fazer o outro sentir a mesma dor, de sentir o mesmo sofrimento que me fez passar...

Mas isso seria vingança, e teoricamente inaceitável em nossa sociedade, mas pelo que vejo, largamente aceita na prática. Vivemos então num mundo hipócrita, que condena veementemente a vingança enquanto a pratica ser pudor ou escrúpulos. Deveria eu então calar o meu discurso enquanto os outros apunhalam-se uns aos outros em virtude de suas próprias traições? O que será mais detestável a ética desprezível dos homens: um discurso de ódio ou um punho cerrado de ódio?

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