quinta-feira, 10 de agosto de 2017

O Rei Eterno II

O Rei eterno, em sua eterna caminhada em busca da própria morte fora condenado a lembrar-se da morte dolorosa de cada um dos seus. Dia após dia ele recorda então daqueles que conhecera, que o cativara e que lutaram ao seu lado, por seus valores e ideais, mas que acabaram inevitavelmente sendo derrotados por um inimigo em comum: a morte!

Sua condenação não fora a própria morte, mas observar a morte levar para si todos aqueles que caminham pelo mundo, ele então, dotado de uma vida eterna, jamais adoeceria, jamais se cortaria, e ainda que se machucasse, seu corpo voltava sempre ao que era antes, ainda mais forte, imune as armas, doenças e todos os males que afligem os homens desde o primeiro pensamento. Fora condenado a estar sempre sozinho, pois em algumas poucas décadas todos os que ele conhecia, morreriam, e ele teria de buscar outras pessoas, que também viriam a morrer décadas depois. 

Caminhando então por essa terra deserta, olhando o vento bater por sobre as dunas impiedosamente, lançando para longe os pequenos grãos de areia ele vê ali o retrato da humanidade, que sem vontade é lançada para todos os lados pelo vento impetuoso do destino. O destino decide então qual duna ficará maior do que outra, e por quanto tempo isso acontecerá. O destino decide qual virá a desaparecer, e qual se tornará um símbolo do deserto. O destino decide. Não as dunas, ou os pequenos grãos de areia, são todos meros fantoches nas mãos de uma eterna criança que nunca se cansa de brincar com as vidas humanas.

O Rei se senta ao chão, e cansado de andar, cansado de ver os seus morrerem, cansado de viver uma vida eterna que ele mesmo desejou, decide por passar o resto de sua eternidade ali. Passa então a observar apenas a mudança da paisagem ao seu redor.

Os ano passam, se tornam em décadas, séculos, e o que era deserto passa a ser habitado. Uma enorme cidade, repleta de prédios surge a sua frente, com construções monumentais e milhares de pessoas a andarem sem destino aparente durante os longos dias. O Rei continua sentado, assistindo. Viu os primeiros estudiosos do ambiente chegarem, fazerem suas medições, enviarem suas máquinas e operários. Surgiram as primeiras construções, e com elas os primeiros moradores. A pequena cidade foi se expandindo, se transformando numa grande metrópole, e logo o que não passava de algumas pequenas casas se mudou numa imensidão de concreto e gente, que fazia barulho a todo momento, buscando mudar o mundo em que viviam para buscar ali uma razão para sua existência efêmera. 

O Rei recordou de seu próprio reino, os prédios lhe recordarem das muralhas que mandou erguer imponentes, dos jardins que mandou regar e ornar com flores de lugares distantes, mas que ainda assim se acabaram nas intempéries dos séculos. Aquela multidão de gente era como seu gigantesco exército, que encontrava sua razão de ser no prazer de ver seu inimigos padecerem sob a lâmina de sua espada.

Mas nenhuma criação humana é eterna, e séculos depois a cidade também se torna deserta, vítima de uma epidemia que dizimou parte da população e que obrigou a restante a mudar-se para longe dali. O Rei continuou sentado, a observar. Observou o cansaço dos trabalhadores, o furor dos investidores, o desespero da multidão, o medo daqueles que perdiam os seus, e recordou-se dos séculos de perdas que vivera. 

Depois que todos se foram ele permaneceu ali, e observando os prédios envelhecerem, as vidraças se partirem e o concreto virar poeira constatou que a essência do homem é a sua existência passageira. A eterna busca pelo eterno que culmina na morte da criatura. O medo da passagem, do fim, do desconhecido, tudo isso é a eterna condenação do homem, mas é também sua maior fonte de sabedoria e de glória.

Sentado ali vendo a cidade tornar-se um amontoado disforme de ruínas o Rei percebeu que os deuses não são vilões, que apenas divertem-se com a vida dos homens, mas que dia após dia usam-se das perdas para ensinar-lhes o valor da vida, vida essa que inevitavelmente acabará na morte. Compreendendo isso ele passou a entender o que os deuses levaram milênios para ensinar-lhe: que não se deve lutar contra a natureza, pois ela sempre se mostrará superior, seja em seu infinito poder ou em sua infinita sabedoria. 

O homem nasceu para morrer. Vive para morrer. O homem nasceu para perceber que está sozinho, e vive para aprender que também viverá sozinho. O homem não pode lutar contra sua verdadeira natureza, e a verdadeira natureza do homem é a efemeridade, a vida que passa, e a sua história que desaparece.

Nenhum comentário:

Postar um comentário