quinta-feira, 12 de julho de 2018

Sobre caminhar sozinho

Ubi vera amicitia est, ibi idem velle, et idem nolle, tanto dulcius, quanto sincerius.*

Santo Tomás disse que a amizade está no querer e no rejeitar as mesmas coisas que o próximo. Dessa forma a amizade se entende como um caminhar junto, indo em direção ao mesmo destino. Eu entendo esse caminho de muitas formas, seja intelectual ou divino, e vejo o quanto caminhar ao lado de quem pensa de outra maneira tem se tornado pesado, e praticamente insuportável. 

Digo isso pois vejo nos outros o estranhamento em seus olhares quando falo a respeito das coisas que busco, e fica nítido o quanto desprezam o que para mim é de suma importância. Seja em matéria de conhecimento, de posicionamento religioso, ou até no gosto musical as pessoas discordam grandemente, e por vezes me perguntei se era eu errado por buscar e amar as coisas que busco e amo.

A sociedade, sob o pretexto de nos unir numa única massa de iguais, acabou por abolir o sentimento de caminho individual. Os valores pessoais, que antes ditavam o agir virtuoso ou vicioso, agora foram substituídos por um politicamente correto que vê em toda sorte de perversões uma aplicação do direito pessoal e inalienável, e no pensamento individual um atentado a esse mesmo direito. Ou seja: agir como o todo, sem nenhum escrúpulo moral, é agir corretamente, ao passo que se opor as muitas demonstrações de banimento da moral e dos bons costumes se tornou um gravíssimo atentado ao sentimento de conjunto que nos foi imposto. 

Outros decidiram que o que é certo passou a ser errado, e que o errado passou a ser certo e que descumprir isso é um crime. Mas e aqueles que se recusam a fazer parte disso? E aqueles que buscam a verdade sem se importar com andar ao lado de todos os outros que da verdade se apartam e fazem chacota, que devem fazer? E aqueles que não encontram no todo, disforme e hipersexualizado que hoje vivemos, as respostas para seus anseios?

Não vejo o mundo oferecendo respostas, mas apenas fugas e mais fugas. Ele entorpece os sentidos, inebria a mente e a alma, mergulha a todos numa doce hipnose, mas não responde de maneira alguma aquele desejo que se encontra na alma de cada um. Aquele vazio,  que se encontra bem no âmago do nosso coração e que assusta o homem desde o primeiro pensamento, continua vazio.

Na Igreja essa realidade encontra uma situação ainda mais peculiar. Caminhar na Igreja é sempre optar por ir contra o mundo, mas há dentro dela uma divisão que torna o caminho mais singular ainda. Decidir-se por uma vida de busca pela santidade é caminhar sozinho. Mas aqui a palavra sozinho encontra uma beleza peculiar: é caminhar sozinho em relação aos irmãos, muitas vezes em relação a toda comunidade, mas estar acompanhado da pessoa de Cristo, de seus anjos e de seus santos, e todos quantos optaram por seguir o caminho da santidade.

Caminhar exige uma decisão solitária, e hoje tem se tornado quase impossível encontrar alguém que partilhe das mesmas ideias, que queira e que rejeite as mesmas coisas. Já não se busca a Verdade, no máximo busca-se uma realidade confortável, que nada tem a ver com a realidade. E ver isso machuca, nos faz por alguns momentos chegar a desejar por essa mesma cegueira. Mas a Verdade se tornará a companhia da alma que a busca. E a mesma Verdade atrairá os seus para aqueles que a ela também desejam. 

Talvez seja esse o objetivo da solidão: mostrar que para seguir a Verdade há que se abandonar tudo o mais que não seja a mesma Verdade, e aguentar o período de solidão que dessa decisão receberemos. Mas passada essa provação ela mesma se encarregará de não permitir que os seus pereçam na solidão. Caminhemos sozinhos, se preciso for, mas com a certeza de que nunca estaremos de verdade. Seja na busca pela Verdade ou pela santidade sempre haverá aqueles que antes e depois de nós buscarão nelas também o conforto e o sentido de suas vidas.  

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Nota: "Onde está a verdadeira amizade, aí está o mesmo querer e o mesmo não querer, tanto mais agradável, quanto mais sincero" (Santo Tomás de Aquino - Summa Theologiae I.42.3)

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