segunda-feira, 9 de março de 2020

Agora


Veja, tenho estado de pé e feito o meu melhor, mas não por mim ou porque movido por uma força interior que me leva a querer continuar. Não, tudo o que tenho feito é para que não percebam que estou morto, que estou apenas esperando o momento de ser enterrado.

É bem frio e solitário aqui, onde a chuva cai com força e os ventos sopram com violência. Já nem sei mais se meu rosto está molhado pela água que vem do céu ou pelas lágrimas que transbordam de mim. Já nem sei o que faço aqui, com os pés descalços no meio da rua, sem rumo... É solitário e frio aqui, no meu infinito particular, de onde não consigo sair e ninguém pode entrar.

É escuro, e eu achei já ter superado o medo do escuro, mas se antes tinha medo do que podia se esconder ali hoje eu temo o que se revela toda vez que as luzes se apagam, toda vez que o sol se põe e eu me vejo sozinho.

Parece que estou num grande oceano, num pequeno bote sendo agitado pelas ondas. É apenas uma questão de tempo até que me afogue na água salgada. Tudo o que vejo ao meu redor é a imensidão azul, mortal, imponente como um deus invencível. 

Parece que ninguém sabe quem eu sou, todos me olham, querendo algo, mas são incapazes de perceber que não restou nada para levarem. Apenas algumas lágrimas quentes, fluindo com o pouco de calor que ainda me restou antes do último suspiro, que há muito tem se prolongado. 

Quando me dão as costas, quando fecham as portas, eu finalmente posso cair no chão. Ficar de pé e cantar uma missa, falar ou sorrir, tudo isso tem me sido demasiado dolorido. Tudo o que eu quero é o silêncio, pois parece que todo e qualquer barulho apenas ecoa no imenso vazio do meu coração.

E talvez eu esteja errado em não fazer nada para mudar mas... Nada até hoje adiantou, e tanto me decepcionei que já não consigo mais acreditar nem mesmo no meu amor.

Se fecho os olhos em prece, meus lábios delineiam um nome baixinho, um silvo imperceptível. Nem mesmo eu consigo ouvir. Mas parece-me o último desejo desesperado de uma alma assustada com a própria existência. Assustado que nesse imenso universo, com tantas miríades de estrelas, não haja um lugar onde possa me sentir em conexão com outra pessoa, onde a solidão não seja a única realidade conhecida. 

Dentro de mim tem, no entanto, esse impulso de continuar escalando, de continuar indo em direção as luzes do céu e, do outro lado, a sensação de que já estou no fundo do poço. Não sei quem tem razão mas a verdade é que, de um modo ou outro eu não consigo fazer mais do que me lamentar por um cansaço que, não importa o quanto durma, nunca cessa ou diminui. 

Em algum lugar, distante, uma grande locomotiva anda por trilhos que parecem não ter fim. Atravessa vales inteiros, planícies alagadas, jardins com perfume de flores, casas com um pequeno sino de vento pendurado sob o alpendre, longos campos de arroz e um céu azul que se estende como um véu sob a abóbada celeste. Haverá lugar para mim abaixo desse céu? 

Eu não sei, eu não sei, eu não sei mais nada, não entendo sequer as razões das minhas lágrimas. Eu só que, agora, tudo o que eu quero é chorar. 

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