domingo, 15 de março de 2020

Do fracasso


Tem uma música que diz "no dia em que você entrou na minha vida eu virei o menino mais sortudo do mundo, por isso fique comigo pra sempre". Bonito não é? Um amor eterno, capaz de vencer as barreiras do tempo e do espaço, um amor daqueles capaz de curvar até mesmo a grossa espada do destino. Um amor daqueles que nos fazem dizer "e toda vez que eu olho em seus olhos é como se visse o céu azul". É, uma bela imagem. 

Pena que é uma mentira. 

Assim como quando dizem "seu esforço será recompensado" também é uma mentira. A recompensa vem para alguns poucos que, caindo nas graças da Fortuna Imperatrix Mundi, foram por ela abençoados. Esforço quase nunca é sinônimo de recompensa, é na maioria das vezes seguido de decepção. O esforço nos faz crer que seremos recompensados, isso gera uma expectativa, que cresce em nosso coração como uma erva daninha, espalhando e sufocando todas as rosas, até que não exista mais flores, apenas o mato. 

O esforço pode, no máximo, no levar a este terreno baldio sem dono, sem perspectiva alguma. Pode ainda nos fazer percorrer um longo e árduo caminho, projetando nos otimistas, obtusos, uma ideia de que no fim encontrarão um grande pote de ouro, tolice! 

Morrerão à míngua. 

E como eu odeio isso! Como odeio as lágrimas quentes que estão escorrendo de meus olhos, aquecendo-me a face. Odeio chorar de frustração. Odeio olhar uma assembléia cheia e ver que meu melhor não merece mais do que risadas. Odeio não ser bom o bastante, em nada que faça. Odeio ser substituído. 

Mas, mesmo odiando tudo isso e desejando fugir, me esconder, para que ninguém nunca mais veja meu fracasso eu ainda tenho medo de ficar sozinho.

Não me deixe.
Não me ignore. 
Não me mate.

Continuo tendo medo de desaparecer, mesmo sendo, nesse momento, o meu maior desejo. Desaparecer e nunca mais obrigar ninguém a olhar o meu fracasso. Eu devia desaparecer porque sou um inútil. Não acerto as notas das musicas que mais escuto, não guio no caminho certo aqueles que jurei liderar. Perco meus amigos mais próximos por ter essa personalidade volátil que vai de alto a baixo num piscar de olhos. Chateio a única pessoa que fala comigo todos os dias. Sou a escória. 

Eu deveria desaparecer porque eu não mereço existir. E por que penso isso? Porque é verdade. Porque eu sou um inútil. 

Era só um Am, qual a dificuldade de entrar num Am? Eu não consegui. 

Shijo Ikari fugia de si mesmo, fugia de sua própria fraqueza, eu a encaro de frente, mas encarar a minha fraqueza não me torna melhor. Apenas um fracassado consciente. 

-Você tem razão. No íntimo somos todos iguais. 
- Nossas mentes carecem de algo básico.
- E tememos a carência.
- Nós a tememos.
- É por isso que estamos tentando nos tornar um.

[...]

Não pergunte porquê, não existe outra maneira de existir.

Verdade?

- Por que você existe?

Eu não sei

- Talvez eu exista pra descobrir porque eu existo.

Mas isso é verdade? E se eu existir apenas para fracassar? E se, no rodízio existencialista eu fora condenando a sempre falhar, a lutar, correr e nadar com todas as minhas forças, mesmo quando estas estão esquálidas, a morrer na praia? 

E se eu for condenado a ser trocado por qualquer menino ou menina mais inteligente ou bonito do que eu? Parece ser isso. Eu sou aquele que ocupa um lugar enquanto os outros esperam por alguma coisa melhor. Eu sou o confidente e conselheiro, até que encontrem alguém melhor. Eu sou parceiro, até que alguém mais animado apareça. Eu sou a segunda opção de todos. O último a ser lembrado na alegria mas o primeiro a ser buscado na necessidade, por saberem que faço o que mais ninguém quer fazer. Assim que alguém melhor do que eu surge no horizonte eu sou logo lançado na lixeira da miséria humana. 

Mas então por qual razão continuo fazendo o que faço? 

Essas coisas me dão um propósito, uma identidade. Eu não era ninguém antes disso mas... Mesmo agora, eu ainda não tenho importância. Eu me odeio. Eu faço isso porque porque é tudo que eu sei fazer. 

Eu só queria, uma vez que seja, me sentir orgulhoso de mim mesmo. Não por outros me aplaudirem, não, mas porque olhando para meu próprio eu, para meu coração, eu sinta que fui capaz de fazer não o meu melhor, mas o melhor, e assim ter encontrado algum propósito nessa existência que me parece tão misteriosa. A razão da existência. A razão que permite a alguém ser.

Mas tudo parece desmoronar. Todo esforço, cada acorde, cada nota. Tudo não passa de uma mentira, como o amor que diz "no dia em que você entrou na minha vida eu virei o menino mais sortudo do mundo, por isso fique comigo pra sempre".

E tudo retorna ao nada. 


~

Obs.: Textos entre aspas ou em itálico retirado de Neon Genesis Evangelion ou da trilha sonora de Until We Meet Again (Studio WabiSabi, 2019).

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