terça-feira, 24 de março de 2020

Um olhar no espelho

Nestes dias de isolamento social é inevitável um olhar mais voltado para dentro de mim mesmo. Fico observando o que os outros fazem durante esses dias. Alguns, como eu, estão se dedicando com mais afinco aos estudos, outros adotaram o Home Office, tem muita gente gravando vídeo de entretenimento, alguns de gosto um tanto duvidoso mas enfim, cada um faz o que pode. 

Além de estudar eu tenho assistido bastante também. Vendo séries e filmes, dos meus já conhecidos atores tailandeses. Mas isso às vezes me deixa um pouco chateado, a despeito do entretenimento num momento de tanta ansiedade, com o confrontamento da realidade que eu vivo aqui e o mundo apresentado lá. 

Uma vez mais eu me vi irado com o fato de desejar um ideal de beleza tão inalcançável e depois me sentir deprimido com algo que eu mesmo busquei. Me é objeto de desejo aquela pele clara, sem manchas e nem defeitos, aquele cabelo perfeito, corpo magro e definido. Me olho no espelho e, mesmo com as modificações feitas com as tatuagens ainda desgosto do que vejo. O cabelo ainda feio, o corpo ainda disforme. 

O espelho é cruel, e aquele que eu vejo refletido em minha frente me olha com olhar de frio julgamento, diz coisas que ninguém deveria ouvir

Pode-se perguntar por qual razão eu não tento mudar mais ainda: poderia entrar numa academia, tentar um tratamento estético mais forte. Mas não importa, nada disso consegue romper a grande muralha de desânimo e nem o ciclo vicioso da baixa autoestima: me olho no espelho e me vejo malcuidado, desanimo e passo a parar de me cuidar, o que só piora quando me olho no espelho de novo. E além disso, não há tratamento no mundo que possa me fazer melhorar, pelo menos não no nível do meu ideal de beleza. 

Alguns podem me dizer que eu deveria só estabelecer isso como meta. Mas como isso pode ser uma meta? Não há como alcançar isso senão de outro jeito que não seja nascendo de novo. É impossível e não há outra coisa a se fazer além de lamentar.

Parece uma preocupação banal, em tempos de coronavírus e tudo e tal, mas o que mais eu posso fazer? Depois de seis horas de aulas de filosofia é o máximo que eu consigo fazer. Parece que meu cérebro pouco a pouco se desfaz quando forçado tanto assim. 

Pensando um pouco mais sobre eu creio que isso ainda é um reflexo daquele ímpeto, daquele desejo ainda mais profundo de agradar alguém, na esperança de encontrar companhia. Vem da crença de que eu sou insuficiente, de que como sou eu nunca serei reconhecido por ninguém. Parece que nunca...

E isso me consome, como uma voz diabólica que sussurra essas coisas no meu ouvido. Toda vez que eu me olho no espelho ou que vejo um homem bonito eu escuto alguém me dizendo que nunca conseguirei ser alguém bom o bastante. Isso deprime, isso me pesa como uma grande mão me empurrando pra baixo, pro fundo do poço, que é de onde eu nunca vou sair. 

Medo

- Tenho medo de desaparecer.

- Eu posso desaparecer porque não mereço existir.

- Por que acha isso?
- Porque eu sou inútil.

Eu não sou desejado. Eu sou uma criança inútil. E você não se importa mesmo comigo não é?

- Usar isso como desculpa é a mesma coisa que fugir. O que você teme mesmo é falhar. Você tem medo de ser odiado pelos outros. Tem medo de reconhecer essa fraqueza até pra si mesmo. 

Como pode me criticar quando faz a mesma coisa?

 - Você tem razão. No íntimo somos todos iguais. 
- Nossas mentes carecem de algo básico.
- E tememos a carência.
- Nós a tememos.
- É por isso que estamos tentando nos tornar um.
- Nos fundiremos e preencheremos uns aos outros.
- Esse é o Projeto de Instrumentalidade.
- A Humanidade não pode viver sem estar cercada uns pelos outros.
- A Humanidade não pode viver sozinha.
- Embora você mesmo seja único.
Por isso minha vida é difícil.
- Por isso minha vida é triste e vazia.
- Você quer a afeição e a presença física e mental dos outros.
- É por isso que queremos nos tornar unos.
- A alma humana é feita de elementos fracos e frágeis.
- O corpo e a mente também são feitos de componentes frágeis. 
- Então através da Instrumentalidade a Humanidade deve preencher e complementar uns aos outros. Não pergunte porquê, não existe outra maneira de existir.

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