segunda-feira, 16 de março de 2020

Dia seguinte.


O sentimento de frustração não passou, nem sequer desvaneceu um pouquinho. Antes disso, sinto-me ainda mais pesado. É como se todos os compromissos anotados em minha agenda com minha caligrafia desleixada gritassem que nada ali vai dar certo, tudo não vai passar de um fracasso porque eu não sou mais do que um homem fracassado vivendo entre pessoas capazes de fazer coisas realmente maravilhosas. 

Estou ainda deitado, sem a mínima vontade de comer ou tomar banho, ou de começar a fazer as coisas que preciso. Estudar, preparar celebrações. Viver. Nada disso parece ter sentido se, no fim, tudo será não mais do que um desastre. 

Quanta prepotência, quanta arrogância havia em mim para pensar que eu poderia realizar todas essas coisas. Fora tolo e cego e, talvez, o resultado seja a paga devida ao meu orgulho. 

Mas então, o que devo fazer? Esperar aqui pacientemente pelo fim? Me parece a única saída plausível, já que tudo o mais só me trará mais desgosto e decepção. Não há razão para sair daqui. Não há luz no fim do túnel, fora tudo uma mentira criada para aqueles que, assim como eu, mergulham pouco a pouco na escuridão abissal do fim.

Lágrimas, linhas finas de sangue carmesim, olhar distante e uma desesperança, é o que há em mim nesse momento.

De que adianta chorar? De que adianta me explicar? Ninguém é capaz de entender, nem mesmo eu entendo. Eu não sei mais nada, não sei nem mesmo porque me sinto assim. Eu só sinto. Essa angústia, essa raiva, inconformado por não ser bom o bastante, por não dar orgulho aqueles que amo, por não conseguir fazer aquilo que me propus, por ser trocado tantas e tantas vezes que agora já não consigo mais confiar plenamente, pois sempre tenho medo do que possam me fazer, pois sempre tenho medo de que vão me abandonar na primeira oportunidade, como todos os outros fizeram.

Ouço ao longe a marcha do exército e a risada do demônio. Meu rosto caído na lama, o corpo coberto de feridas, o líquido vermelho da vida escorrendo, a vida se esvaindo. Mas ela nunca se vai. Sempre fica uma centelha, por menor que seja, sempre fica algo há ser acendido novamente no sopro da próxima brisa.

- Chuva. Sombras escuras de melancolia pairam sobre mim. É assim que eu me sinto. Não é como eu queria que fosse. 

- O por do Sol. O fim da vida. Isso não é como eu gostaria que fosse. 
- Manhã. O começo de um dia. De outro dia terrível. Eu gostaria que isso não fosse do jeito que é. 

- Céu azul. Alguma coisa quente. Alguma coisa desconhecida. Alguma coisa que me enche de horror. Eu não quero isso. Eu não quero que isso seja desse jeito.

Eu não queria que nada fosse desse jeito. Eu só queria ser bom, só queria que as pessoas entendessem isso, que o que faço é o meu melhor. Mas nunca é o bastante para ela, estão sempre querendo mais e mais, mas não tem nada mais. Acabou, eu não sou mais do que uma casca vazia, uma boneca de trapos. Eu não sei mais nada.

Não me atrevo mais a sonhar pois os sonhos são a chave para a decepção. Não me atrevo mais a amar pois é só uma ilusão, aqueles que amo amam outras pessoas e nunca a mim. É patético. E, no entanto eu não posso deixar de existir porque isso também seria um incômodo para as outras pessoas. É tudo o que eu sou: um incômodo, vivo ou morto. E ninguém percebe o quão desconfortável eu estou por ter de me levantar todas as manhãs e viver como se concordasse com essa vida. Ninguém dá a mínima pra minha vontade de dormir, onde posso esquecer, ao menor por algumas horas, que existo. Ninguém dá a mínima, mas todo querem algo. Querem companhia, querem conversar... E o que eu quero? Eu quero desaparecer sem deixar rastros. Quero sumir da existência. Quero voltar ao nada, aquele útero primitivo que perdemos muito tempo atrás. Eu quero uma existência onde a compreensão exista, onde não seja fraco e incompetente. 

Mas é um desejo idiota. Um sonho? Tenho de esmagá-lo com todas as forças. Os sonhos são a porta de entrada da destruição do coração. E eu nem sei o que é isso, é confuso demais para minha pequena mente entender. Eu não sei mais nada, só sei que, no fim, tudo retorna ao nada. E eu quero voltar ao nada. 

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