segunda-feira, 23 de março de 2020

Em quarentena 3

O número de casos no Brasil subiu 45% em apenas um dia. O Senado declarou estado de calamidade pública para que o governo federal possa liberar mais recursos para o país enfrentar o coronavírus. Governadores e prefeitos fecham cidades enquanto a esfera federal pede medidas mais brandas, mesmo com as estatísticas indicando que no mesmo ritmo logo vamos ultrapassar todos os países do mundo em transmissão e mortes. Alguns cálculos indicam que podem haver mais de um milhão de mortes se as atividades não forem paradas 100% imediatamente, como fez a China antes de registrar uma queda brusca nos contágios da nova doença. 

Nenhuma estatística é, no entanto, otimista. Todas apontam que ainda não vimos o pior, mesmo com o sistema de saúde beirando o colapso. 

As pessoas já têm dado os primeiros sinais daquela ansiedade reprimida pela quarentena. A agonia do confinamento, o medo. Outros, no entanto, ainda não se preocupam. Eu continuo saindo, todas as noites, para transmitir a missa online do outro lado da cidade. Tenho medo de que com a piora dos casos eu também não possa sair mais. Aliás, eu não deveria estar saindo. Só o faço pois, num momento como esse, se me afastar da Igreja fisicamente eu vou enlouquecer, já que é o lugar que mais estive nos últimos tempos.

Aqui em casa também sentimos o efeito de tudo isso. Uma ansiedade permanente que corre pelos nossos filamentos nervosos e nos deixa incomodados o tempo todo. A paciência diminui, o olhar assume um semblante triste. É como se, pouco a pouco, a desesperança fosse tomando conta de todos.

Um desânimo forte se abateu sobre mim, não que eu já não seja naturalmente desanimando e melancólico mas, de forma ímpar eu passei a não conseguir fazer mais nada. Fiquei algumas horas deitado, sem sequer mudar o canal de televisão mas também sem ver o que estava passando. Ao meu lado uma prateleira cheia de livros que ainda não li e, ao olhar para cada um deles, sendo que todos foram escolhidos especialmente, não senti a mínima vontade de abri-los, nem mesmo aqueles que já há vários meses estão sob minha cama, esperando o fim de uma longa ressaca literária.

Umas das poucas coisas capazes de me tirar da letargia causada por esse vírus, como se fosse um dos sintomas mais graves, é a beleza. Seja a das cores ou a de uma música ou até mesmo a beleza de um doce sorriso ou ainda de um belo rosto. A beleza é, neste momento, minha salvação.

Acho que sim, só a beleza pode nos salvar. De que maneira? O belo nos enche de esperança, elevando nossa alma para realidades superiores, onde não há dor ou sofrimento. O belo torna-se então presença de Deus em nossa vida, como um singelo convite à esperança. Talvez seja então uma das poucas razões para continuar, uma das poucas razões para não desistir. 

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