sábado, 21 de março de 2020

Em quarentena 2

19 de Março de 2020 - Solenidade de São José, esposo da Virgem Maria e padroeiro da Igreja

É estranho, todo o povo isolado com medo do coronavírus. O número de infectados sobe a cada dia e toda manhã acordamos com notícias de que a situação se agravou ainda mais ou que o governo tomou alguma medida desesperada para conseguir conter a pandemia. Em alguns momentos uma boa notícia: a curva de contágios diminuiu ou descobriram que algumas drogas já conhecidas são eficazes no tratamento. 

A todo momento vemos pessoas se manifestando, seja em redes sociais ou em pronunciamentos oficiais. Eu assisto a tudo isso impassível, com um nó na garganta e segurando algumas lágrimas. Admito que minhas mãos tremem quando me vejo sozinho no quarto a noite, pensando no que pode acontecer daqui pra frente. É ridículo, eu sei, não é momento de fraqueza, mas de altivez. Vejo o quanto sou fraco e covarde quando, como professor, deveria tranquilizar e demonstrar uma força inabalável. 

Me abalei, no entanto, ao participar da Santa Missa de forma privada. Apenas quatro pessoas, incluindo o sacerdote e o diácono assistente. O padre, um dos homens mais santos que já conheci, engasgou durante a homilia e não conseguiu conter o choro, como nós também não. É o momento em que a confiança na misericórdia divina é a nossa única saída. Todos em casa, rezando com fé. Que Deus tenha misericórdia de nós e que São José nos auxilie nessa batalha.

20 de Março de 2020 -  Uma sexta-feira de dualidades

É  bonito ver como nossa sensibilidade passa a perceber depois que observamos com atenção. Apenas alguns dias depois de declarada quarentena os rios já estão mais limpos, os índices de poluição caíram drasticamente e os animais foram vistos voltando para suas casas. Não exito em dizer que a natureza tem seus próprios meios de se recuperar, assim como um corpo tenta se livrar da infecção, mas, nesse caso, a infecção não é o coronavírus e sim o próprio homem.

De qualquer forma, o ar hoje amanheceu mais fresco, choveu a noite inteira. Foi bom poder ficar ouvindo as gotas na janela, era algo como se Deus dissesse que tudo vai ficar bem. Ele está cuidando de nós mesmo quando no alto da nossa cruz dizemos "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonastes?".

Infelizmente nesses dias a angústia parece também infectar pelo ar. De novo o medo, aquela apreensão, os oficiais dizendo que ainda não chegamos a ver o pior. O que pode ser pior do que isso? O que pode ser pior do que o pânico que consome tanto quanto o vazio? Eu não quero descobrir. Não quero descobrir porque já tem sido ruim o bastante ver as pessoas mais fortes a minha volta mostrando fraqueza e medo, aquelas coisas que eu exalo por onde passo. Se elas estão assim, como eu vou conseguir resistir?

Queria poder dormir, e acordar quando tudo isso tivesse terminado. Mas, como sempre desejei isso, sei que não é assim que funciona; Preciso assistir a tudo acordado, sentindo cada pedacinho mínimo da minha consciência, da minha sanidade, se esvaindo por entre meus dedos como a fumaça de um cigarro, que some deixando no ar um cheiro de podridão e morte.

Como pode? No decorrer de vinte e quatro horas dar uma volta completa na roda da samsara? Será que as pessoas que me olham conseguem ver isso que se passa comigo? Com certeza não. Não se aproximariam de mim se soubessem o quão perturbadores são os pensamentos que eu tenho. Será que imaginam que a pessoa que entende tanto sobre liturgia e tem uma postura firme na missa pensa com tanta frequência na morte e está se tremendo de medo da pandemia global? Que passo boa parte da noite acordado para dormir durante o dia, ou ficar trancado ouvindo aulas sem parar, para não enfrentar a verdade?

Mas eu poderia pensar, é uma pandemia global, é razão mais do que suficiente pra ficar com medo. Mas eu não deveria ter medo, eu não posso ter medo, não quando os fortes ao meu redor estão com medo. Alguém precisa ficar firme, alguém precisa aguentar, alguém precisa segurar as lágrimas e ser o porto seguro no meio da tempestade. Mas será que sou eu essa pessoa? Eu consigo ser forte assim?

Talvez não seja questão de conseguir ou não, mas de simplesmente ser, sem a chance de escolher. 

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