quarta-feira, 11 de março de 2020

Em todos os sentidos

Um ano atrás, eu sentado no chão, numa noite fresca, rodeado de pessoas. Estendi os pés, calçava meu surrado all star preto, e toquei os pés de uma pessoa que estava sentada na minha frente. Tirei uma foto do momento, me lembro do sorriso terno que eu dei ao ver o resultado publicado numa página na internet. Estava feliz ali, estava acompanhado, mas me sentia completo?

Um ano depois eu continuo me sentindo vazio, a diferença é que agora ninguém se senta na minha frente e nenhum pé toca o meu. Me isolo em meu quarto com medo de uma pandemia global, não que já ão estivesse isolado fugindo da infecção que é o vazio que há em mim. 

Aquele gesto foi uma mentira, como tantos outros risos, como tantos outros momentos. Fora forçado, uma farsa. E eu acreditava nela. Mas no fundo eu já sabia, sabia e fingia não saber. Cada vez que alguém desviava o olhar de mim, cada conversa sussurrada pelas minhas costas, cada frialdade no fitar. Tudo aquilo já indicava o que eu era para eles: um pária, uma simples escória.

Eu não deveria me importar, você sempre foi um mentiroso. Cada palavra, cada mínimo gesto de afeto sempre foi uma mentira, uma farsa que, na verdade, nunca enganou a ninguém. Você sempre me odiou, sempre teve nojo de mim, e eu podia sentir isso cada vez que me abraçava, cada vez que me tocava, cada vez que me olhava com desprezo, como se fosse forçado a conviver com um leproso, com medo de se contagiar com minha doença. Tentou me usar, tentou me fazer acreditar em palavras frias. Sempre um mentiroso. 

Mas eu também admito: gostava de viver daquele jeito, ainda que fosse uma mentira. Pelo menos por alguns breves instantes eu me sentia completo. Isso é verdade? Eu não escrevia todas as noites reclamando do imenso vazio que continuava se abrindo dentro de mim depois de tantas horas de risos e cantorias? 

Eu já nem sei mais o que pensar. Minha mente está tão debilitada que eu nem me lembro mais se algum dia foi feliz. Talvez quando ainda não sabia o que era tristeza mas, bom, desde que consigo me lembrar eu estou triste. Então por qual razão uma foto de anos atrás me entristece desse jeito? 

Me sinto substituível. Aquele que antes era o primeiro a saber agora não passa de um estranho. E não é a primeira vez que isso acontece. Parece que as pessoas sempre se aproximam de mim na falta de algo melhor e, tão logo encontram algo que desperte seu interesse, acabam por virar as costas para mim. Foi assim com todos os meus antigos amigos, tem sido assim desde que me lembro.

Sempre substituível,
dispensável,
trivial. 

E assim continuo, caminhando figurativamente, literalmente trancado no meu quarto com medo de que minha combalida imunidade me faça de refém num hospital, sozinho, em todos os sentidos do termo. 

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