segunda-feira, 2 de março de 2020

Dos campos de canola

E algumas coisas acontecem tão de repente que nem sequer conseguimos nos preparar antes de sermos atingidos pelas violentas ondas do destino. De repente elas arrasam tudo, destroem os prédios por onde quer que passam.

E é de repente, não mais que de repente, que aquele brilho no olhar se esvai, as forças minguam, a carne desfalece e se enfraquece a tal ponto que parece desmanchar nos ossos. A única vontade é a de viver sem vontade, ou melhor, de não viver, de dissolver-se ao vento como fumaça, sem deixar nenhum vestígio de sua simples existência. 

E de repente deixamos de prestar atenção em quem somos, até que um dia nos olhamos no espelho e não reconhecemos aquele que acena. Os livros se tornaram emaranhados de letras sem sentido algum, as músicas são apenas barulho. Acho que aquele eu de antes desapareceu, sumiu como fumaça ao vento... Será que a fumaça, quando se esvai, viaja por outros lugares ou simplesmente desaparece para sempre? 

O tudo retorna ao nada? 

Eu queria voar por aí, sem destino, e ver aquilo que jamais vi, preso aqui, a estes ossos sem carne, a este corpo sem vontade. 

E de repente, não mais que de repente, a pessoa que falava com você todos os dias, virando noites sorrindo e brincando, sequer responde as suas mensagens de parabéns. É como a fumaça no vento, outra vez. Como aquele arpejo no piano que, depois de soar alto e forte, vai sumindo até não existir mais senão nos ouvidos de quem estava por perto. O som da grande orquestra vai sumindo, lenta e preguiçosamente, até desaparecer no horizonte, como o sol deixando de iluminar os campos de nossas queridas canolas...

E ele mudou tanto, cresceu tanto... E ele já tem um novo amor, uma nova casa, um novo sonho, um novo amigo, e eu aqui pedindo pra ele me salvar de mim. 

E tudo retorna ao nada.

Mas o dia cai e noite chega, uma vez mais. As pessoas me pedem uma luz quando tudo o que vejo é escuridão. Solene e silenciosa, majestaticamente ornada por ricos brocados salpicados de brilhantes. E já não há mas nem sombra daquela fumaça, apenas a brisa fria, balançando as pétalas das flores, levando ao longe seu perfume...

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