sábado, 28 de março de 2020

Da pequenez

Dia de profundo incômodo, aturdido por aquela onda de inquietude causada pelo meio em que vivemos. Sei que o caráter só pode se formar no seio da sociedade, ao passo que a intelectualidade carece do silêncio para ser moldada pela sabedoria, mas parece-me que isso é algo que as pessoas não tenham se dado conta do quanto é desagradável. Começo minha exposição partindo da premissa de que trata-se de uma análise puramente expressiva de uma impressão, sendo então um discurso puramente emocional, quase poético, de uma realidade experimentada.

As pessoas, num âmbito médio e geral, não se dão conta da própria pequenez. Recordo daquele professor que disse que as pessoas, quanto menos se preocupam em aprender e adquirir contato com alta cultura, tanto mais se arrefecem em experiências imediatas e superficiais, beirando o vazio. Observe ao redor, tanto menos estudo mais se deixam levar por assuntos banais, pela simples descrição da realidade mais próxima, esquecendo completamente a capacidade humana de subir até o imanente, até o eterno. 

Não defendo, como podem pensar alguns críticos ditos mais realistas, que defendo uma viagem só de ida ao hiperurânio, abandonado o mundo ao redor, mas também não podemos esquecer daquele em função deste, e é exatamente o que presencio. 

A única experiência valorizada é aquela onde o corpo grita e a alma cala-se diante do mundo que tanto balbucia. Fecham-se em seus sentimentos, naquelas pequenas doses de prazer provocadas por uma noite de sexo, ou pelo desejo deste, ou ainda pela fuga que algumas doses de álcool podem causar. Isso se demonstra claramente naquilo que consomem o que nós chamamos de brasileiro médio. Pessoas que acreditam fielmente no significado de frases de efeito que não possuem nenhuma função além de atochar a mente num raciocínio psicótico de uma impregnação autoinfligida. Não acreditam naquilo que dizem mas o esforço que fazem para dizer faze-os pensar que é verdade. 

Não conseguem conceber sequer que, para além das fronteira mínimas do pequeno mundo em que vivem, possam existir expressões maiores e mais refinadas dessa mesma existência. Descrições tão profundas e vívidas da realidade que nos faz despertar para mundos inteiros que estão a nossa disposição mas que não nos atentamos ainda para sua presença. Ignoram portanto o próprio mundo em que vivem, personificando aquele provinciano incapaz de imaginar algo no mundo que seja diferente do que ele já viveu ou experimentou na sua província. 

Mesmo longe de querer empurrar esta ou aquela experiência em particular, sob o risco de parecer orgulhoso de modo afetado, eu me recuso a crer que as experiências descritas no que hoje consideramos música comercial estejam no mesmo nível daquela arte sublime ensinada pela alma, como nos diz Platão. Claro, enquanto o objetivo desta é justamente expressar uma visão da realidade, uma experiência de vida, algo que tenha de algum modo marcado profundamente a vida de quem a compôs, aquela tem simplesmente o único objetivo de vender, expressando não mais do que aquilo que qualquer pessoa sentada na cadeira de um bar conseguiria dizer, com mais ou menos talento para compôr. 

Seria presunção, ou infantilidade, querer que todos tivessem a mesma capacidade de um Tchaikosvky ou de um Rembrandt, ou ainda de um Wagner ou um Strazza, no entanto, é assustador como parecem ignorar o que de melhor há no mundo. Como podem se contentar com cerveja e sertanejo barato? 

Finda então o homem na sua pequenez de alma. Fecha-se ao mundo superior. Acredita firme e tacitamente naquilo que lê em qualquer publicação das redes sociais ou consegue encontrar-se em qualquer descrição supérflua da realidade. Contentam-se com a pobreza de espírito. Resta-nos apenas entoar aquele adágio lamentoso, por aqueles que nunca se deixaram levar pelo espanto que, como nos mostrou o estagirita, conduz ao conhecimento da verdade. 

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