quarta-feira, 4 de março de 2020

De um observante participativo

E, no fim das contas não existem pessoas diferentes. Somos todos igualmente desprezíveis e dignos de pena. Insignificantes perante os deuses.

Humanos, sejam humildes perante os deuses. Assumam sua pequenez, aceitem que não são mais do que bestas que falam, que se iludem em sua ciência e filosofia como se fossem coisas grandiosas, mas não passam de seres patéticos, guiados por instintos e hormônios, fugindo eternamente do vazio de seu âmago. E sabem donde vem esse vazio? Da imperfeição fundamental da sua existência. Vem do fato de que foram criados com o único objetivo de perseguirem sonhos irreais, enquanto escondem seus joelhos trêmulos, adultos ou crianças, todos com medo do abismo escuro de dentro de si. 

Buscam então a completude, nos lugares mais imundos. Chafurdando na lama das bebidas, do sexo, dos sentidos mais animalescos, presos a samsara sem perspectiva de liberdade.

Me sinto, além de preso nesse ciclo de dor, um infeliz observante da miséria humana. Não que eu esteja fora dela, mas apenas consciente. É uma visão assustadora. Vejo pessoas com grandes bocas, desejosas de devorar o mundo numa ganância insaciável. 

Outras se parecem com demônios, andando nus e se entregando aos desejos mais torpes de suas lascívias, nadando num oceano de lava que queima os seus corpos. Anestesiados, porém, pelo próprio prazer, já não percebem que sua pele queima e já solta dos ossos, querem apenas mergulhar mais e mais fundo nesse oceano de orgasmos e gemidos. 

Vejo animais, ignorantes em sua brutalidade e monstros, bestas que apenas sabem lutar, sem se dar conta de nada além da vitória que anseiam. Andam por aí, bradando pesadas espadas e grossas lanças, destruindo exércitos de inimigos, nunca satisfeitos, sempre sedentos por mais sangue. Vejo barrigas vazias, corpos esqueléticos e olhos enormes, inveja. 

Claro, há um mundo melhor, pessoas felizes que vivem a sorrir e que não sentem tanta dor e nem se incomodam com o horror dos outros inferiores, senão que as vezes até mesmo os ajudam. Mas estes não alcançaram a perfeição, estão sujeitos a cair, e fazer girar novamente a roda da dor, a samsara, na qual estamos presos. 

E é isso, apenas isso. No fim das contas não existem pessoas diferentes. Somos todos igualmente desprezíveis e dignos de pena. Insignificantes perante os deuses.

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