sexta-feira, 21 de agosto de 2020

A visão do homem

Que dizer dos últimos dias, senão que foram excepcionalmente entediantes na medida em que eu pouco sei apreciar qualquer coisa fora do meu cotiano meticulosamente preparado de modo a não ter tempo para viver nada além do absolutamente essencial? 

Minha casa está em clima de festa, mesmo com toda a pandemia e os mais de cento e dez mil mortos. Acho que o medo fez as pessoas preferirem ignorar o perigo e viver normalmente, de modo a não se incomodar em pensar numa coisa que elas não têm poder para mudar. Não os culpo, o homem sempre arranja um jeito de fugir de seus medos, é natural e todos somos assim. 

Isso, no entanto, não justifica de modo algum as ações do homem. 

Infelizmente os meus mecanismos de ação são um pouco distintos. A indiferença é meu refúgio. Mas enquanto exercito a indiferença quanto a situação global, eu não consigo ficar indiferente aos subterfúgios dos que me cercam. Pelo contrário, acabo ficando ainda mais sensível as mudanças e mais receptivo do que gostaria. O fato é que torno uma esponja, absorvendo aquilo que de pior há nos outros, acabo sempre me sentindo sobrecarregado, mesmo que não tenha feito nada substantivamente cansativo. 

É o caso da animação que parece ter sido injetada nas veias de todos. Não consigo sorrir com obscenidades e futilidades da internet, não consigo ver graça na música barulhenta e simplista das rádios e nem ver profundidades de sabedoria naqueles que não possuem mais do que um vocabulário mais ou menos e um conjuntinho fajuto de macaquices que dão aos mais ineptos a aparência de intelectualidade. Não me surpreendo, embora fique ainda muito triste, quando percebo que todos ao meu redor pensar diferente de mim em situações tão essenciais, mostrando-me apenas que eu realmente não encontrei lugar entre eles, senão que ainda estou aqui por um tempo, antes de me mudar para algum lugar distante daqui. 

E talvez eu nunca encontre nada assim, já que tantos em outras décadas tiveram de sofrer na pele o peso da solidão para, de algum modo, conseguirem cumprir aquilo que lhe pedia não o meio em que vivia, mas aquela vontade íntima, aquela tendência ao conhecimento que vem do espanto, e que o homem pode trazer dentro de si, dentro de algumas poucas almas que se predispõe a sofrer para tentar entender alguma coisa. 

Trata-se de uma realidade deprimente, em última análise, ter de contentar-se com a mediocridade real e fugir, não para o mundo dos sonhos que só pode ser causa de desesperança, mas para a companhia das mesmas almas que antes foram chamadas e que agora também chamam. 

Cansativo, assim poderia definir. Ver a baixeza, a miséria, e muitas vezes esquecer o quão grandioso o espírito humano pode ser. É deixar-se engolir por esse oceano de debilidade, desejando apenas o ar da liberdade que fugir desse mundo por proporcionar. Mas muitos não se dão conta disso, e vivem presos a essa realidade que os rodeia, que os aprisiona ao chão como correntes, escravizando-os no pó da terra. 

Tenho preferido a solidão do que a companhia irreal. Tenho preferido ficar só a conversar banalidades, tenho preferido dormir a ter de presenciar certas coisas e ouvir a voz de certas pessoas. Tenho preferido a companhia das músicas e dos meus pensamentos, do que ao barulho do mundo. A agitação do mundo molda o caráter, isso é certo, mas eu não consigo viver em meio a tudo isso. Não mais. 

Não consigo ver tanta confusão, tanta destruição, tanta corrupção. E não é que esteja me colocando acima dessas coisas, de modo algum! Não contemplo a miséria de cima, mas estou no meio dela. A diferença é que também busco olhar pra cima, de modo a sair dela. Acontece que se alguém não tem contato com nada de belo, com nada de bom ou justo, passa a acreditar que tudo isso não existe, e que não passa de uma invenção. É esquecer-se do que o homem pode ser em razão daquilo que alguns são. 

Por isso não olhos mais a feiura das casas e dos muros, não ouço mais as opiniões que apenas destroem e matam, não respondo mais aos questionamentos repletos de vazio, as expressões das coisas que deveriam ficar no coração e que silenciam o que deveria ser dito mas não o é. A visão do homem hoje cansa.

E o sol brilhando forte me parece ser um tipo de combustível pra tudo isso. Não consigo entender essa disposição pra bagunça que as pessoas têm no tempo quente. Eu não consigo imaginar NENHUMA situação em que estar no meio de outras pessoas e fazer barulho seja melhor do que um quarto fresco e escuro pra um bom sono. A visão do homem hoje cansa e eu sou um homem cansado, do próprio homem e da humanidade. 

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