terça-feira, 4 de agosto de 2020

O Desespero Humano

Milhares de ideias pululando em minha mente desde que decidi, algumas horas atrás que escreveria, que colocaria para fora o que nos últimos dois ou três dias tanto tem pesado em mim. Mas, ao ver a página em branco diante de meus olhos as ideias simplesmente desapareceram, voando para um céu distante, inalcançável para uma serpente que rasteja pelo chão sonhando em conquistar os altos céus. 

Resta-me o despejo, dizer aquilo que me vem a cabeça, como as torrentes poderosas de uma tromba d'água violentíssima que destróis e arrasta com violência tudo o que vê pela frente. 

Sinto-me péssimo. Não só a visão do homem me causa repugnância como a simples memoração da existência de uma pessoa que está no quarto me enche de uma cólera, de uma fúria incontrolável que, no entanto, não pode explodir sem causar danos irreparáveis. 

E tudo retorna ao nada.

Não aguento mais o caos da existência. As pessoas incapazes de conviver com o silêncio que buscam na loucura total a fuga para os seus medos. Eu olho tudo isso com um único julgamento: vivo entre animais! E mesmo que eu também seja levado pelos meus instintos luxuriosos e primitivos ao mesmo estou consciente desse processo. Os outros não. Entregam-se aos prazeres mais imundos como se fosse o ápice do espírito humano. O desespero humano, doença até a morte, é a tentativa de fugir do chamado do ser pela sua própria realização no plano da vida terrena. Tudo que vejo são animais, feras primitivas.

Esse ambiente me causa repugnância, e não consigo olhar para ninguém sem sentir um gosto de vômito subindo-me pelas entranhas, ansioso por fazer jorrar tudo que me destrói. Mas isso é impossível. Meu sangue já verteu-se sangue, mas como não posso fazer meus inimigos respirarem dessa névoa sangrenta eu sou o único que padece de sua potência assassina. 

A destruição em mim não encontra precedentes. Eu penso na minha vida, na casa onde moro, nas pessoas que aqui vivem, penso no meu futuro, no que sou capaz, no que já realizei e sou incapaz de vislumbrar outro futuro senão o da miséria existencial absoluta. O progresso material nada tem a ver com isso. Existencialmente me encontro sem nenhuma sombra de esperanças ainda que ostente um estilo de vida completamente aceitável e até mesmo confortável. 

Mas o que é a causa de tudo isso? É estar preso num meio incapaz de me ajudar no crescimento, seja intelectual ou espiritual ou que, pelo menos, o dificulta para muito além das minhas capacidades. É ver que o ápice da realização humana é perder os sentidos em doses maciças de álcool, dançar impropérios e gritas obscenidades como se o lado mais baixo e sujo do homem fosse o que ele tem de melhor. E a absoluta falta de vontade de querer mudar, evoluir, crescer e conhecer novos mundos, realidades mais elevadas, ou de simplesmente de parar de chafurdar no lamaçal malcheiroso da miséria em busca de pedras preciosas que não estão ali. 

Essa é a realidade do meio em que estou: deprimidos todos pelo meio opressivo, feito, que a tudo que é bom, justo e verdadeiro declarou guerra, vê-se desacreditado que o mundo pode oferecer algo de melhor. Presos nesse provincianismo maldito, que os faz pensar que tudo que há pra se ver e experimentar no mundo é o pouco que conhecem. Lamentável é pouco, essa situação me causa asco. 

E então me deparo com o meu desespero humano, no sentido proposto por Kierkegaard. Enquanto tento me tornar eu mesmo eu encontro abismos e um número imensurável de obstáculos. Não consigo ser eu, senão que eu não tenho sido mais do que uma massa disforme e confusa de sua própria existência. Meu espírito deixou-se abalar por esse meio. Não sou Sêneca ou Marco Aurélio. A depressão se apossou de mim. Não consigo ver tudo e todos como um meio de santificação. É tudo dor, horror, é tudo um mundo selvagem demais para eu entender, selvagem demais para fazer qualquer coisa além de sobreviver precariamente. 

E tudo começa a desmoronar.

Estou irritado, com tudo e todos, e já não consigo olhar sequer nos olhos dos que vivem aqui sem que sinta do profundo do meu ser ânsias de vandalismo. Não quero conversar, não quero sorrir. venho magoando, sendo grosseiro, com aqueles que sinceramente vêm ao meu encontro, aqueles que mais amo, que se preocupam comigo, que me perguntam como estou. E u me sinto culpado, me sinto culpado por não ser doce e paciente como eles mereciam. Me sinto culpado por não querer vê-los. Me sinto culpado por ver que eles querem assumir comigo o que sinto, mas eles não sabem que podem acabar sendo envenenados por meu próprio sangue.

E eu já não possuo equilíbrio suficiente para separar as coisas, está tudo uma confusão terrível dentro de mim. Como se pegasse um punhado de pedras e as jogasse para o alto. O som dessas pedras batendo no chão frio é a única coisa que consigo abstrair de meus pensamentos. Me tornei monstro, esperando no escuro a quem devorar.

Noutros momentos me vejo desejando alguém ao meu lado, talvez isso seja falta daquelas tantas experiências que nunca vivi. Mas isso me parece tão distante quando eu estou da grande Aldebaran, na constelação de touro. Ela brilha com milhares de vezes mais poder e imponência do que o nosso Sol, mas está tão distante que não sinto seu calor, senão que sinto apenas aquilo que se dizem dela. A solidão é minha cruz.

O que está feito está feito, me sinto tão mal
O que uma vez foi alegre agora é triste
Eu nunca vou amar novamente
Meu mundo está acabando...

Quero apenas ficar quieto, sozinho, esperando até que comece a definhar de fome, esquálido sobre a cama, aguardando o fim, que parece ser a única liberdade absoluta capaz de me libertar desse niilismo maldito que me foi imposto.

"Porque eu quero morrer.  
Eu quero desesperança. 
Eu quero voltar ao nada.*

É assim que acaba. Esse é o único final possível.

~

NOTAS:

- Texto em negrito retirado de trechos de KOMM, SUSSER TOD, de ARIANNE, trilha sonora de The End of Evangelion. 
- *Hideaki Anno do penúltimo episódio de NEON GENESIS EVANGELION - O Fim do Mundo - Você me ama?

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