sábado, 1 de agosto de 2020

Antídoto


"O mundo moderno quer criar uma espécie de antídoto para essa ameaça que é Deus e a Beleza, e o resultado não poderá ser outro que não a feiura e a negação de absolutamente tudo. Vamos então conceber o nosso mundo como horroroso para podermos dar-nos ao luxo de acreditar que temos uma defesa, um escafandro contra aquela súbita surpresa, aquele temor e tremor de acordar diante daquilo que realmente somos. E então passaremos o tempo empilhando latas no supermercado e tentando fazer disto arte."

(Bruno Tolentino)

Essa pequena reflexão do amigo de meu mestre é algo que eu consigo constatar quase que diariamente, em simples ações como abrir qualquer página que fale sobre arte na internet. Há uma completa inversão de valores que tentam empurrar goela abaixo de todos a concepção esdrúxula de que tudo pode ser arte e de que a beleza é algo tão subjetivo que absolutamente qualquer coisa pode ser considerada bela. 

Não é mais do que um abortivo essa concepção, uma afronta que brada aos céus clamando pelo dies irae, uma fuga da realidade que se interpõe a nós com uma violenta verdade, mas que negamos no íntimo e nas expressões, correndo para longe daquele maravilhoso, porém assustador, temor que sentimos diante da imensidão do mundo e da complexidade da nossa própria existência. 

A beleza concebida por Deus como sua mais antiga assinatura é então arranhada, como as marcas de uma faca numa superfície de madeira, de modo a não mais prestarmos atenção ao assinante, e nem a sua obra, mas apenas nos rabiscos que agora nela nos chamam a atenção. 

O medo deu ao homem esse desejo íntimo pelo horror, pelo feio, pois o homem ao olhar a beleza sente-se diante de Deus, e sente também a miséria de sua própria condição. Como não sentir isso? Olhando, não para Deus, mas para si mesmo, e ignorando até mesmo as marcas desse mesmo Deus que conservamos em nós, no nosso ser, e plasmando um novo deus, um deus feio, mas que não aponta nada de errado e nem nos convida a mudar e a imitar a sua própria beleza, antes disso, um deus que plasma apenas as suas palavras a nos dizer que nada precisa ser mudado, que tudo em nós já se encontra em plena realização. Mas quem de nós, senão Deus, pode dizer-se plenamente realizado? 

Daí o maravilhamento provocado em nós pela beleza. A beleza que nos faz desejar melhorar, crescer, imitar até atingir tão grau de perfeição que outros também queiram imitá-la. A Beleza não é outra coisa senão um convite à presença de Deus, a imitação d'Ele, por isso o homem que já não deseja Deus mas, antes disso, deseja fugir e esquecê-lo, foge também da beleza, criando para si outra beleza que não é outra coisa senão um retrato digno de sua própria imperfeição. 

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