segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Grito

O silêncio grita em meus ouvidos. 

O seu silêncio me ensurdece a alma. O peito inchado parece querer explodir, já não pode conter-se mais em si. O que foi dito não pode ser mais calado, a palavra proferida tem o poder de uma explosão, traz tudo abaixo, a tudo destrói. 

Já perdi  sono faz algum tempo, alguns dias, mas mesmo assim eu não quero voltar pra lá, não quero buscar conforto e refúgio num mundo onde bem sei que não há lugar para mim. Há algum tempo que ando sem destino, que vagueio sem ter onde ir, e já nem me preocupo que caminho tomar pois, como dizem, qualquer caminho serve para quem não sabe onde quer chegar. E estou assim, não sei por onde vou, não sei para onde vou, só sei que continuo andando por aí... 

Resignado, contrito talvez, já nem sei mais o que sinto ou como me sinto. O vazio continua aqui, ao mesmo tempo que uma pluralidade de cores e sabores, mas já não são passíveis de serem delineados, é tudo assim tão frágil e sem contorno. O mar que não é de calma parece ter silenciado. E isso é o que há de diferente. 

Me sinto doente, talvez seja a espera pela conversa com o psiquiatra, ou o olhar sonhador da minha mãe que espera que essa consulta me faça voltar ao normal, não que eu me lembre de como é ser normal. Ela me olha com aquele mesmo olhar com que olhamos um cão moribundo, que lambe suas feridas na beira de uma estrada, rodeado por moscas esperando a hora de morrer. É assim que me sinto cada vez que ela me olha, esperando por outro ataque, por outra crise. E é assim que me sinto também, numa estranha calmaria do mar que até pouco tempo atrás estava revolto, ameaçando destruir a terra em seu ímpeto de fúria. Mas acho que é assim, essa é a calmaria antes da grande tempestade, antes da grande turbulência.

Talvez eu sobreviva, como sobrevivi a todas as outras. Mas cada uma delas levou algo de mim. Me tornei um simples náufrago, sem muito o que me apegar a não ser uma pequena tábua donde busco me apoiar a espera da praia, ou da próxima tempestade. Não posso mais nadar, não me restaram forças. As últimas lutas levaram tudo de mim, o que fiz nos últimos dias foi o último suspiro, o último rugido da fera que gritou EU no coração do mundo antes de ser atingida pela lança que vem do alto. 

Já não tenho mais perguntas. Já não creio ser uma injustiça dos céus, como se o destino tivesse algo contra mim. Já não me resta a capacidade de levantar suposições. Resta-me aceitar. Fechar os olhos e deixar as lágrimas rolarem sabendo que nenhuma delas têm o poder de mudar nada. Que minhas lágrimas, meus pés descalços na terra fria não significam nada além disso mesmo.

Nada mais do que isso. 

Mas eu não vou me desculpar, não dessa vez. Não pedirei desculpas por ser quem sou e por sentir o que sinto. Eu não vou fazer isso comigo mesmo mais uma vez. É a última gota de amor própria que me resta, a única coisa que posso fazer por mim agora que já não há mais esperança ou futuro. 

O silêncio, o seu silêncio, grita em meus ouvidos. E talvez eu ainda espere, por ouvir sua voz mais uma vez, antes do derradeiro fim. Não mais do que isso. 

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